ZOANDO NA CAATINGA

PONTO DE VISTA

A REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Raul Patricio Gastelo Acuña*

O Presidente Lula foi eleito prometendo aos eleitores que o econômico estaria subordinado ao social. Principalmente por duas razões, essa foi sem dúvida a marca mais clara da intencionalidade de dar um basta à forma que tradicionalmente a sociedade brasileira resolvia seus problemas. A primeira e, por ser óbvia e pouco percebida, é que a ênfase no social é a única forma de dar uma reviravolta no ciclo perverso da dependência às exigências impostas pelo capital financeiro nacional e internacional. Com a ênfase no social o capital no seu ciclo de acumulação e reprodução sai da órbita do mercado e esses processos são definidos endogenamente pelas necessidades sociais. Ou seja, a anarquia e rapina do mercado, especialmente o financeiro, passa a ser redefinido pela ótica social e isso muda a própria configuração do Estado. A segunda razão é que a ênfase no social e a redefinição na própria concepção do social, transformação do assistencialismo populista em explicitação e reconhecimento legítimo dos direitos sociais garantidos na Constituição, tais como seguridade social, emprego, saúde, transporte, alimentação, entre outros, transfere o centro de decisão política e de elaboração e planejamento das políticas econômicas das entidades multinacionais como FMI, Banco Mundial  para a órbita do Estado Nação, pois o eixo do desenvolvimento estará dado pelo bem-estar social e não pelos saldos positivos da balança de pagamentos.

A primeira grande reforma social do governo Lula nos deixa perplexos. A Reforma da Previdência é uma necessidade inscrita nos direitos sociais. Basicamente a Reforma da Previdência deveria atender à necessidade de seguridade social, de redistribuição de renda e de gestão e gerenciamento democrático e participativo dos trabalhadores dos recursos arrecadados pela Previdência Social. Esses recursos pertencem rigorosamente aos trabalhadores e a transparência e qualidade na administração dos mesmos deveria ter participação real dos trabalhadores através de suas Confederações Sindicais ou Associações de Classe. O projeto da Previdência a ser encaminhado pelo governo foge desses objetivos e está preocupado exclusivamente com cálculos contáveis e com o ajuste fiscal. Dessa forma esse projeto frustra as promessas de campanha e as esperanças de rupturas com a política dos governos passados por continuar atrelado a uma visão economicista da gestão do Estado, deixando de lado a possibilidade de criar as bases de um governo cujas políticas estejam orientadas pelo social e assim avançar na criação da democracia, entendida como criação de direitos para a maioria da população.

O projeto da Previdência do Presidente Lula não atende aos objetivos colocados acima. É um projeto contábil orientado pelo ajuste fiscal e com isso abandona a perspectiva de subordinar o mercado através de políticas sociais. O teto das aposentadorias para os trabalhadores do setor privado eterniza nos seus fundamentos um calote mais grave que o calote de Collor sobre a poupança. As contribuições pagas pelos trabalhadores constituem de fato uma poupança para a velhice. Se o trabalhador paga durante anos um percentual sobre o salário que recebe e depois recebe sobre um teto determinado arbitrariamente e que não tem relação com suas contribuições isso é confisco. Não deveria haver teto, mas uma contribuição percentual maior sobre altos salários dos trabalhadores ativos. Além disso, e isto é o mais grave,  ao estabelecer tetos diferenciados entre os trabalhadores do setor público e do setor privado  criam-se  dois tipos de cidadãos e isso fere a Constituição, que determina a igualdade de direitos de todos os habitantes do país.

Não obstante, o problema central é outro. A seguridade social como política social deve redistribuir renda. Isso significa que deve alterar as profundas desigualdades sociais que emanam do perfil salarial do país. Assim, o que deve ser modificado, através de uma reforma da administração pública, é a estrutura de salários do funcionalismo público, por um lado, e uma reforma da CLT por outra, que fortaleça o poder de barganha dos assalariados com ou sem carteira assinada. As aposentadorias e pensões refletem essa desigualdade e nenhuma reforma poderá alterar essa iniqüidade social.

Um exemplo poderá mostrar melhor essa situação. O Presidente da República que é o funcionário público Número 1 do país recebe menos de R$ 8.000,00 por mês de salário. Um membro do Superior Tribunal de Justiça R$ 17.230,00. Senadores e Deputados R$ 12.230,00. Além disso, os funcionários públicos podem acumular aposentadorias. Então, a primeira medida deveria ser a de estabelecer um teto de salários determinando que o salário mais alto é o do Presidente da República. Dessa forma, esse teto deveria ser estabelecido em salários mínimos. E ética e economicamente este teto não deveria ser superior a 50 salários mínimos. Nenhum funcionário público deveria ganhar mais que isso, pois não podemos esquecer que o funcionalismo público é pago com o trabalho não pago dos trabalhadores do país. Atualmente há centenas de funcionários ganhando muito mais que isso. Isso é desvio de direitos adquiridos e não direitos adquiridos de fato. Em segundo lugar, não deveria ser permitida a acumulação de aposentadorias de nenhum tipo. Em terceiro lugar, aposentado do serviço público não deveria poder ser recontratado pelo serviço público, como ocorre freqüentemente. Em quarto lugar, o teto máximo de aposentadoria deveria ser o mesmo para todos os trabalhadores. Com o projeto de reforma os trabalhadores do setor privado sofrem um confisco, financiam os privilégios do funcionalismo público e a previdência continua deficitária.

    Deveria existir aposentadoria por idade mínima e não por tempo de serviço. Essa idade mínima deve ser calculada em função da expectativa mínima de vida das classes mais pobres do país que são a maioria e não das expectativas de vida das camadas com altos salários ou da média da expectativa de vida do país. Esses critérios distorcem a realidade e penalizam brutalmente as camadas de menores salários.

Finalmente, a gestão da Seguridade Social deveria ser democratizada e sua administração deveria ser entregue aos trabalhadores, empresários e Estado. Ter um Presidente nomeado pelo governo e dois Vice-Presidentes, nomeados pelos trabalhadores e empresários. Todos os outros cargos seriam preenchidos por concurso acabando com o apadrinhamento político. Dessa forma, uma gestão autônoma, independente do Estado permitiria que a Previdência operasse no mercado como Fundo de Pensão e, sem dúvida, essa seria importante alavanca para evitar o déficit.

O mais importante e o que deve ser debatido é o caráter da Reforma da Previdência. Se é uma reforma inscrita nos direitos sociais da cidadania ou reforma econômica para satisfazer os apetites do capital financeiro e aos ajustes fiscais do Estado. Essa é a questão central.

 

abril/2003

* Raul Patricio Gastelo Acuña, sociólogo e membro licenciado do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias do Ceará - CEPAC

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