ZOANDO NA CAATINGA

PONTO DE VISTA

 PT Saudades

Raul Patricio Gastelo Acuña*

Era 1º de maio de 1980. E desde cedo junto a milhares de contestatários do regime militar dirigia-me à concentração convocada pelos metalúrgicos do ABC no Estádio de Vila Euclides em São Bernardo do Campo. Os gritos e músicas sufocados durante 26 anos irrompiam de todos os cantos do Estádio, e alegres bandeiras vermelhas eram agitadas pelos manifestantes. Na entrada do Estádio comprei uma camiseta vermelha. Tinha o rosto e o capacete de um metalúrgico de cara enfezada com seu nome escrito na parte da frente, que era o nome de todos os operários oprimidos pelo regime militar, pelas multinacionais e pelo capital nacional. Seu nome - João Ferrador. Na camiseta a legenda Hoje eu não tô bom. O João Ferrador tinha um rosto zangado, indignado. De todos os discursos dos oradores que se revezavam no palanque o mais zangado foi o do último orador. Sim, o do Lula metalúrgico, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Lula estava zangado com a ditadura militar, com o arrocho salarial, com a falta de liberdade sindical, com a proibição do direito a greve e com a terrível opressão das trabalhadoras e trabalhadores no interior das fábricas. Em 1989, 10 anos depois, candidato à Presidência da República um jornalista perguntou ao candidato Lula: Me diga Lula porque você está sempre sério, de cara fechada e não ri para ninguém? Lula, conforme descrição do jornalista, fechou ainda mais a cara e respondeu: Neste país que é rico e poderoso, com a décima economia do mundo, não dá para rir diante da miséria que é escandalosa; não dá pra rir diante dos milhões de pais e mães desempregados que não têm nem um pedaço de pão para dar para os filhos, diante dos salários cada vez piores; com a falta de saúde e com centenas de pessoas fazendo filas nos hospitais, muitas das quais morrem nos seus corredores, sem atenção digna e sem dinheiro pra comprar remédios; com milhões de crianças sem escola e com milhares de crianças submetidas a trabalhos mais duros que nos tempos da escravidão. Você acha que diante de tanta desgraça eu vou ter coragem pra rir?

Na campanha Presidencial de 1994 o discurso do candidato do Partido dos Trabalhadores focalizou-se na crítica ao Plano Real. O Plano Real, para o PT e seu candidato Lula, levaria à sujeição incondicional ao Fundo Monetário Internacional (FMI), abriria as portas para a especulação financeira e para a remessa crescente da mais-valia dos trabalhadores, desnacionalizaria a indústria nacional e descapitalizaria o país. O mais grave é que a política econômica, especialmente a política monetária e fiscal, seria ditada e monitorada pelo representante mais conspícuo do capital financeiro mundial, o FMI, e as decisões sobre a  moeda, símbolo da soberania econômica do país, seria a ele alienada  e conseqüentemente o Brasil veria limitado seriamente os graus da independência e soberania nacional. A soberania e a liberdade econômica, ou seja, decidir livremente sobre em que investir, quanto investir e como investir os recursos do Estado estavam sujeitos à aprovação do capital especulativo. Programas sociais, políticas de pleno emprego, reforma agrária, saúde, saneamento básico e educação ficariam restritos ao aval do FMI. E o FMI opera com a máxima de qualquer banco ou agiota da esquina, primeiro me paga os juros e depois come. A crítica virulenta contra o Plano Real era correta estrategicamente. A aparência de estabilidade, principalmente no referente a debelar a inflação, seria paga pelos trabalhadores com miséria, desemprego e o desmantelamento das parcas conquistas sociais de décadas de luta.

Diante da segunda derrota eleitoral, começaram a emergir com força cada vez maior dentro do próprio PT as cassandras reformistas que se autodenominavam de lúcidas e cordatas. E aos poucos o PT foi abandonando a zanga de seu símbolo maior: João Ferrador.

A derrota política do PT em 1998 marcou a clivagem interna decisiva. A justificativa era ou o PT se rendia aos cantos da sereia dos reformistas ou  Lula nunca seria Presidente. Mãos à obra e na última campanha presidencial o Lula zangado se traveste no Lulinha Paz e Amor. O mais importante é dar segurança ao capital financeiro internacional e acolher as reivindicações do empresariado nacional. Mais aos primeiros que aos segundos, e aí estão como demonstração desse fato os Ministros Furlan e Rodrigues, por um lado, e por outro o Vice-presidente José de Alencar. Superávit fiscal de 4,25% do Produto Nacional Bruto e diminuição do risco Brasil. As "grandes conquistas" do primeiro ano foram a Reforma da Previdência e a Reforma Tributária. A primeira não foi além de um ajuste fiscal: nem representa poupança para a velhice e nem redistribui renda e a Reforma Tributária foi um ajuste de racionalização burocrática na captação de tributos que ao manter intocados os impostos indiretos como o ICMS aumenta a exploração dos trabalhadores a limites insuportáveis. Os impostos indiretos são transferidos dos que têm mais capacidade econômica aos que têm menos. Assim quem paga o imposto pela compra de um pacote de velas não é o fabricante de velas, mas quem compra as velas. E o imposto é igual para quem é rico e para quem é pobre. A alíquota é a mesma, entre 15% e 20%.  Junto às propaladas conquistas assistimos a uma taxa de desemprego de 20% em São Paulo capital que é o núcleo dinâmico do capitalismo do país, diminuição de 15,2% da renda do salário médio dos trabalhadores com carteira assinada e reforma agrária não se sabe quando. Reforma Política e do Estado com o intuito de criação de direitos, nem está sendo cogitada. No que diz respeito à Reforma Universitária e à Reforma Trabalhista, na sincera e eloqüente declaração do Ministro da Casa Civil "o pau vai comer". E "o pau não vai comer" para o FMI, "vai comer" para os mesmos de sempre: os trabalhadores.

Em 1980, Luis Inácio Lula da Silva, o aguerrido líder metalúrgico chorava de indignação. Hoje o Presidente Lula chora, mas sem indignação. Nós, da geração que acompanhamos o surgimento do PT, e vivendo num quadro cada vez pior de injustiça social no Brasil, sentimos saudades do João Ferrador.

29 de dezembro  de 2003

 
* Raul Patricio Gastelo Acuña, sociólogo e membro licenciado do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias do Ceará - CEPAC

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