ZOANDO NA CAATINGA

PONTO DE VISTA

O "Brasil bonito" que a mídia não mostra e ainda deturpa

Verônica Maria Mapurunga de Miranda*

Começarei o artigo com uma frase que achei expressiva  e significativa dos últimos acontecimentos no país: "Quando marchamos, vamos acenando à sociedade que este é o caminho, não o do asfalto de Goiânia à Brasília, mas sim o do sonho, da esperança e da certeza de que nós podemos construir uma sociedade melhor". A afirmação é de Jaime Amorim, da direção nacional do MST sobre a Marcha Nacional pela Reforma Agrária. Esses últimos acontecimentos, para quem participou e quem conseguiu acompanhar através dos meios de comunicação independentes, no país e fora dele, é uma das expressões de um Brasil novo e nascente, sinais de um mundo melhor, mais cooperativo e mais fraterno, combativo e corajoso, da cidadania, da verdadeira inclusão. É um Brasil verdadeiramente bonito. Não aquele "Brasil bonito", da grande mídia, comportadinho como um "operário padrão", confinado na estética escravista das elites brasileiras. Não, não é o Brasil pobre, folclórico e coitadinho. É um Brasil que reclama seus direitos, justiça social e mostra que tem força, organização e propostas para compor e mudar a face desigual do país.

Não vou detalhar agora a importância do movimento conhecido como a Marcha Nacional pela Reforma Agrária e apoiada por vários movimentos, entidades civis, como o Grito dos Excluídos e Comissão Pastoral da Terra, entre muitos outros participantes do setor rural e urbano. Convido-os, para isso, a visitarem os links abaixo, de  participantes, organizadores e o acompanhamento da Marcha pelo próprio site do MST, que sobejamente mostram sua importância e significado. O que gostaria de reter aqui é a forma como a grande mídia, em sua maioria, enfocou o movimento. Além de ter sido pouco noticiada a Marcha, pois durante todo o seu percurso, os 12.000 marchantes, uma multidão, quase uma cidade ambulante caminhando 200 km, tiveram uma organização e comportamento irretorquível, os grandes jornais passaram a especular e buscar algo que manchasse a imagem do movimento ao público.

 Entre as acusações infundadas disseram que o movimento estava usando recursos públicos do governo de Goiás para eventos políticos, e a outra foi o recorte das poucas imagens de um pequeno confronto entre polícia e marchantes em Brasília. Confronto causado pela própria polícia, por uma mudança de rota sem avisar aos Sem Terra. Pela quantidade de pessoas no ato, mais de 15.000, percebe-se que os Sem Terra foram extremamente pacíficos. Pois foram provocados e se estivessem interessados em agressão, pela força e quantidade de pessoas da Marcha teriam acabado com o contingente policial que era muitíssimo diminuto em relação a eles. Mas o objetivo da grande mídia era descaracterizar o movimento e colocá-lo como violento.

Durante a Marcha dos Sem Terra jornais de tv utilizaram mais de 5 minutos para noticiar a descoberta de uma nova múmia do Egito, e sobre a Marcha quase nada. No seu devido momento a múmia tem sua importância. Mas a pergunta é:  Por que tantos minutos a mais para a múmia do Egito do que para os movimentos brasileiros? Isso  mostra como a mídia brasileira está se mumificando e não está acompanhando os verdadeiros processos de mudança do país. E isso tem um significado forte, aquilo que se mumifica pode ficar para trás. Para sua sobrevivência é melhor acompanhar os novos tempos.

E é fácil entender os parâmetros usados por essa mídia que representa simplesmente  e somente uma pequena camada da população brasileira - a das elites atrasadas. Que como se sabe, ainda são escravistas, violentas e corruptas, e  por isso usam esses parâmetros de análise para qualquer coisa, inclusive para tergiversar os fatos. De qualquer forma, vê-se que essa mídia não tem compromisso com um jornalismo sério e muito menos com a verdade. As mortes do campo não são cometidas por Sem Terra, que vêm ocupando terras por um "estado de necessidade", já que a Reforma Agrária não sai do papel. Mas a maioria das mortes no campo são de responsabilidade de milícias privadas e matadores de aluguel, práticas antigas dos grandes proprietários do Brasil colônia e que ainda persistem. Persistirão provavelmente até que o problema do campo seja definitivamente encaminhado no Brasil.

Essas mesmas elites não vão saber nunca o que é o "estado de necessidade",  pois não vão passar mais de 7 ou 8 anos embaixo de uma barraca acampados em beira de estrada, sem condições de trabalho e de vida. Coisa que um grande contingente de sem terra passa. Nos relatos dos links abaixo vocês poderão observar como os Sem Terra conseguiram com seu movimento transformar e potencializar sua situação de extrema necessidade em uma experiência rica em educação, cultura, solidariedade e gestação de formas diferentes de uma sociedade mais de acordo com o "Brasil bonito" que nós queremos. Esse Brasil bonito que nós queremos, gestado através de movimentos como o MST  tem respaldo de muita gente respeitável no Brasil e fora dele, que não dariam seu aval se o MST fosse a caricatura violenta que a grande mídia quer mostrar.

Sabemos que o Estado brasileiro, que segundo essa mídia não pode financiar mínimamente parte pequena da  infra-estrutura de um movimento do povo, financia com recursos recolhidos de impostos indiretos, pagos pela população, os canais de tv e outros grandes  recursos midiáticos que são privados, e que como se vê  viram as costas e ficam contra os movimentos genuínos da população. A população acaba financiando uma mídia para atuar contra ela. Esse é um raciocínio que precisa ser mais utilizado e também observado pelos governos vindos do povo e mal vistos pelas elites. Pois essa mídia é a mesma que procura notícias para derrubar presidentes que as elites não toleram. Não é o Movimento Sem Terra  ou outro de esquerda, que derrubará o governo Lula, se isso acontecer, mas sua base aliada de direita e seus prepostos, neles incluídos a grande mídia, infelizmente. Todas as pessoas de visão neste país sabem disso. Daí percebemos que não é à toa que os movimentos sociais reivindicam a democratização dos meios de comunicação no Brasil.

E para finalizar é bom lembrar uma coisa que as elites no Brasil esqueceram ou nunca souberam: existem outras formas de fazer as atividades, políticas ou não, com uma organização boa e proveitosa, sem gastar rios de dinheiro, sem corrupção, e sem utilizar a máquina do Estado em detrimento da população como elas estão acostumadas a fazer. A maior parte das atividades do Movimento Sem Terra é feita de cooperação, em trabalho, em doações, nacionais e internacionais, de entidades, de pessoas, da organização com muito trabalho deles mesmos, do apoio da sociedade, do Brasil verdadeiramente bonito. Essa é outra coisa que eles têm para ensinar.

Esse Brasil bonito, dos Sem Terra, dos movimentos indígenas e demais movimentos sociais emergentes é o Brasil que precisa ser acolhido. É necessário morrer para as velhas estruturas podres, em grande putrefação, é necessário morrer para as traições dos sonhos brasileiros. Que eles ressuscitem todos!  Que o país se transforme em um Brasil lutador e pujante, sem tantas desigualdades, com mais democracia e verdadeiramente bonito.

Termino com uma frase do líder Sem Terra Jaime Amorim novamente:

"Trabalhamos com a idéia do ´antes´ da Marcha, que é o processo de organização; o ´durante´, que é o processo pedagógico de marchar e estudar; e o 'pós', que é a massificação da luta pela Reforma Agrária voltado para as nossas bases".

 E a luta continua....

 

Links sobre o MST e A Marcha Nacional Pela Reforma Agrária

18 de maio de 2005

Texto publicado também em Artesanias - de Verônica Miranda - www.veronicammiranda.com.br

* Verônica Maria Mapurunga de Miranda, historiadora, artista plástica e membro do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias do Ceará -CEPAC.

A FALA - www.cepac-ce.com.br 

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