ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira dessa vez "botou pra descatitar", valeu até piada. É que parece que processos revolucionários no Brasil acabam sempre descambando pra piadas.

"Alôzinho, minha amiga! Tô aqui com minha cabeça meio quente.A gente leva no lombo, leva no lombo, e num aprende. Meu amigo revolucionário chegou pra reunião e vinha com um livro debaixo do braço. Eu pedi pra ver, e era o tal do QUE FAZER do Lenin, o russo revolucionário. Eu disse assim: Rapaz, você está de novo no passado é? Crise de nostalgia do que nunca aconteceu? E ele disse assim: Valdenira, um revolucionário quando busca o passado nunca é por nostalgia, mas pra fazer uma revisão. É necessário que pensemos sobre os erros para poder ter soluções novas.Eu disse assim pra ele: Ah é? Pois então vamos começar mudando o nome desse manual de revolução pra COMO FAZER.

"Minha amiga, aqui no Brasil, pra num falar só do semi-árido, o pessoal, e os maiorais aí da política fazem umas propostas muito das rocambolescas pra resolver tudo que é problema, mas quando é na hora do como fazer é que a porca torce o rabo. Os recursos acabam indo pra outro lugar, e nós que precisamos num temos direito é a nada. Disseram assim: O que fazer pra resolver o problema do pequeno produtor do Nordeste? Vamos criar o FNE - um crédito especial para o pequeno produzir. Aí quando o pequeno mesmo, de verdade, ia atrás do crédito no Banco, a primeira coisa que o gerente fazia era dizer que esse crédito num era muito bom  pra nós, que o pequeno num ia ter condição de pagar, que tinha que fazer um projeto muito especial, que tinha que ter propriedade pra dar em garantia, ou então aval, e num aceitava terra de herança que num tivesse toda regularizada. Se ia comprar gado exigia touro fino de raça - só se fosse pra gente botar ele no ar condicionado, minha amiga. Se ia plantar tinha que ter irrigação, sem água, com equipamento caro e o limite do crédito num dava. Era tanto problema, que o pequeno desistia. Aí, minha amiga, pra onde você acha que ia esse crédito? Pros maiorais da agricultura. E o problema do pequeno produtor continuou."

"Depois disseram assim, o que fazer pra resolver o problema da pobreza no campo? Vamos fazer a Reforma Agrária. Sei...minha amiga, Reforma Agrária só de nome. Só se ouvia falar de Reforma Agrária pra cá, e pra lá, mas se um sem-terra quisesse ter terra tinha que tirar um crédito num  tal de Banco da Terra, pra comprar  a terra. Ô Reforma Agrária estranha, minha amiga! Se eu tivesse condição de ficar toda endividada em Banco eu lá ia atrás de governo pra resolver problema de terra. Aí, minha amiga, com essa história de comprar a terra com crédito de Banco só deu certo pros advogados, pros engenheiros, médicos e até empresários que tão acostumado a tirar crédito em Banco, e contratavam os trabalhadores que nem nós, que sabem trabalhar a terra, mas num tem terra. A terra que devia ser pra quem trabalha ia servir era pra quem quer ser empresário e dono de terra, sem trabalhar, ganhando dinheiro à custa do trabalho dos outros. E pra nós, ó, nem pite e sibite."

"E quando o dinheiro tá pouco, minha amiga, dizem assim: O problema é a corrupção.O que fazer pra acabar com a corrupção. Vamos moralizar os órgãos do governo. Aí, minha amiga, botam os mesmos, das antigas, para acabar com a corrupção dos órgãos do governo. É o mesmo que botar a raposa pra cuidar do galinheiro. Órgãos cheios de recursos. Pra onde vão? Pra politicagem, no mínimo. E nós...? Ficamos no ora veja.

"E assim, minha amiga,toda vez que perguntam assim "O que fazer..." eu já fico arrepiada, pois coisa boa num vem, o pequeno vai continuar na pior. Mas é assim que tem sido, a gente só engolindo sapo. Acho que já estamos é engolindo rato, como naquela piada do louco..."

Que piada de louco, Valdenira?

"Cê num sabe não? Ora, a piada daquele casal que tava brigando, aí ia passando um rato e caiu na boca da mulher ou do homem (quando os homens contam essa piada dizem que o rato caiu na boca da mulher, mas quando são as mulheres que contam dizem que caiu na boca do homem). O certo é que aquele rato no estômago de um dos dois ficou incomodando demais e tiveram que ir pro hospital. O hospital que eles foram tinham uma ala de loucos. E justamente nessa hora, um dos loucos conseguiu fugir de fininho da ala e passou pra parte onde os médicos consultavam. O médico que estava na consulta tinha saído pra tomar um cafezinho e a sala estava vazia. O louco entrou devagarinho e pegou a bata do médico que estava na cadeira, e ficou se passando por médico. Aí, justamente nessa hora, chegou o casal da briga e o homem que engoliu o rato. O louco se passando por médico perguntou o que ele tinha e a mulher disse: Doutor, pelo amor de Deus, faça alguma coisa que ele engoliu um rato. O médico louco disse assim: Num tem problema não. Vou passar uma receitinha pra ele que resolve já seu problema. Escreveu a receita e entregou pra mulher. Na receita tava escrito: Tome um gato de 4 em 4 horas e se não resolver coloque um supositório de queijo."

Rá, rá, rá, Valdenira, esse médico é dos bons!

"Minha amiga, eu acho que de tanto engolir sapo e rato a situação do pequeno tá muito pior do que esse caso. Minha receita é diferente, só vai mesmo é tomando um leão de 4 em 4 horas e colocando um supositório de muita coragem. Com essa eu já vou, minha amiga, senão vou acabar é entrando no óleo de rícino".

É, Valdenira, pra tanto sapo e rato só mesmo com medidas radicais.

 

julho 29/07/2003

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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