ARTIGOS

Os Novos Rumos da América Latina

Raul Patricio Gastelo Acuña*

A nova safra de Presidentes na América Latina começou com a eleição de Hugo Chávez em dezembro de 1998 em Venezuela. Seu mandato foi reafirmado pela grande maioria dos eleitores no referendum de 2004 e com o triunfo em 20 dos 23 governos estaduais. No ano seguinte, em dezembro de 1999 é eleito em Chile o socialista Ricardo Lagos.  Atualmente conta com o apoio de mais de 70% da cidadania. Em outubro de 2002 é eleito Luis Lula Inácio da Silva, candidato do Partido dos Trabalhadores. Em abril de 2003, Argentina imersa em profunda crise social elege Kirchner e em outubro de 2004 triunfa Tabaré Vásquez em Uruguai. Todos eles são eleitos prometendo profundas mudanças na estrutura política, econômica e social dos seus países, pois a corrupção, as políticas neoliberais, o desemprego, o quadro de misérias e o colapso de políticas públicas, especialmente saúde, educação e previdência social ameaçavam quebrar o frágil tecido social e levar esses países a situações incontroláveis. A eleição desses presidentes todos eles eleitos com discursos e práticas políticas progressistas parece indicar que algo mudou na América do Sul.

Reforça esta percepção a força dos movimentos sociais liderados pelos indígenas no  Equador e Bolívia que deixam cada vez mais em evidencia que sem a participação  do movimento indígena e dos “cocaleros” de Evo Morales na gestão do Estado, esses países continuarão sem nenhuma possibilidade de estabilidade política. Mostra, também, que a agonia do governo de Alejandro Toledo em Peru origina-se na sua incapacidade de modificar as iniqüidades herdadas da ditadura militar, do governo corrupto de Alan Garcia e da ditadura branca do governo de Fujimori. Toledo tem 9% de aceitação do eleitorado e está submetido à Comissão de Inquérito por ter falsificado assinaturas que legalizaram seu Partido Político.

Serão “novos rumos?” Ou, mais uma vez, esses Presidentes e os partidos e coalizões políticas progressistas, nos quais a maioria dos trabalhadores depositou suas esperanças de mudanças radicais no tocante à distribuição de renda, condições de vida minimamente decentes, emprego, saúde, educação, moradia e cidades habitáveis verão seus anseios protelados e pagarão duramente pela ousadia de votar e desejar “repúblicas” com menos iniqüidades sociais?

Estou falando de reformas estruturais, já que somente esse tipo de modificações  na gestão política do Estado, poderão na América do Sul, reduzir a miséria, a mendicidade, a prostituição infantil, o desemprego, melhorar os salários reais dos trabalhadores e implementar políticas sociais de saúde, educação, moradia. Não há, pelo menos no horizonte próximo, perspectivas de modificações radicais na estrutura de poder e na organização social da produção mediante alguma revolução social. Nenhum dos Presidentes mencionados é revolucionário socialista e nenhum deles prometeu alguma revolução social. Tampouco foram eleitos com esses objetivos. Ao final as revoluções são feitas pelo consenso e vontade da maioria da população e não pela vontade pessoal de alguma pessoa. São pessoas e partidos que foram eleitos pelos seus discursos progressistas e pela sua prática política de protesto e apoio às causas populares. São os depositários da esperança de milhões de cidadãos que não aceitam continuar vivendo no poço infindável da miséria e das desigualdades sociais.

É óbvio que as modificações profundas requeridas para resolver as mazelas sociais que são volumosas - lembremos que no Brasil de Lula há crianças indígenas que morrem de fome - devem levar a modificações acentuadas nas formas de dominação política, nas relações com o capital financeiro internacional e nacional mediante negociações que minimizem a drenagem constante e escandalosa da mais-valia gerada localmente para os países imperialistas, na modificação radical da estrutura agrária e das relações de posse e propriedade da terra e no redesenho político do Estado. Esse é o desafio dos governos progressistas da região, pois as condições de vida e de trabalho da maioria da população, os privilégios de uma minoria e a escandalosa distribuição de renda configurou um sistema econômico, político, social e cultural intrinsecamente perverso.

Serão “novos rumos”? Ou mais uma vez os acordos por cima, os pactos espúrios com a burguesia nacional e internacional em nome da ”governabilidade” converterá essas esperanças em letra morta? Uma análise fria e sem paixões do vasto continente ao sul do Rio Grande, baseados em sua história, deveriam nos levar a tomar certa distância com relação a qualquer otimismo ingênuo.

 Desde o início do Século XX, ciclicamente, cada 20 ou 30 anos, a América Latina enfrenta “novos rumos” que, como a pedra que carregava Sísifo, cai estrondosamente muito antes de chegar ao pico da montanha esmagando na sua descida, brutal e impiedosamente a todos aqueles que faziam forças para remontar uma história de pesadelos, exploração, iniqüidades, ausência de direitos, e excesso de cárceres, torturas, exílios e assassinatos de gerações de pessoas cujo único delito foi o de desejar e lutar por um mundo mais justo. Daí a validade da pergunta: Trata-se realmente de “novos rumos” ou é mais uma miragem?

 Imediatamente após a Segunda Guerra mundial, na década de 1950, os “novos rumos” estavam marcados pelo basta às formas arcaicas e tradicionais da dominação dos interesses agro-exportadores e pela necessidade da industrialização; pelo fim ao deterioro dos termos do intercambio desigual com os países dominantes – vendíamos banana por US$ 1,00 e comprávamos os instrumentos de trabalho e máquinas para tratar da banana por US$ 100,00 – e que a Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) apontava como o vilão que impedia a poupança interna e bloqueava a acumulação capitalista; pelo fim às quarteladas e às ditaduras que não por serem de opereta eram menos cruéis, como as do sargento Fulgêncio Batista em Cuba, Pérez Jimenez, também sargento, em Venezuela, Trujillo em São Domingos, Somoza em Nicarágua, Stroessner em Paraguai, Papa “Doc” em Haiti, Castillo Armas em Guatemala, uma rotativa de quarteladas em Honduras, Equador, Bolívia e Argentina, Rojas Pinilla em Colombia e Odría em Peru. Nesses países, naquele momento histórico, falar de direitos humanos, eleições, direitos trabalhistas básicos tais como liberdade sindical, jornada de trabalho, salário mínimo, férias, carteira de trabalho, ou do funcionamento do Estado de forma impessoal e eficiente com sistemas de arrecadação de impostos minimamente racionais e eqüitativos, com poder judiciário independente e ético, com a máquina burocrática com cargos preenchidos por concurso público, era simplesmente impensável. Qualquer reivindicação de direitos por parte da sociedade civil era “coisa de comunistas”. Nem se fale dos trabalhadores rurais. Para eles nem pão nem água. Na ordem agrária o caciquismo, o coronelismo o mandonismo, o poder dos senhores do agro era inconteste e base fundamental de apoio a todo tipo de quarteladas.

A forma de dominação em nossos países, com a exceção do Chile, Uruguai e Costa Rica, não era “nem patriarcal”, “nem carismática” e muito menos “racional e burocrática”. Na sua imensa maioria eram e ainda são Estados patrimonialistas e em maior ou menor medida caricaturas de uma ordem racional, impessoal e burocrática. O traço distintivo e peculiar é que o monopólio da força repousava largamente em fontes ilegítimas e ilegais do poder, e se sustentavam na força das armas ou mais precisamente na força brutal e repressiva contra os opositores. Os ditadores não tinham o menor escrúpulo em usar esse monopólio contra os opositores políticos, reais ou inventados, de forma cruel e bárbara.

Havia países que fugiam pontualmente de alguma dessas características: conquistas trabalhistas e sindicais firmemente tuteladas pelo Estado como as concedidas pelas ditaduras de Perón e de Getúlio Vargas na Argentina e Brasil, e com maiores níveis de autonomia conquistada pelas longas lutas operárias e que culminaram na Frente Popular em 1938 em Chile ou das lutas dos trabalhadores uruguaios que garantiram algumas conquistas sociais. Mas, mesmo nesses países a ordem agrária, apesar das lutas por direitos reais e por reforma agrária, continuava e continua intocada.  

Como toda generalização, essa que apresentamos a grandes traços não considera as importantes singularidades históricas de cada país. Singularidade histórica e cultural. Países com história e tempos históricos diferentes. Países com os quais Estados Unidos estabelecia determinadas e diferentes formas de se apropriar da mais-valia. Guatemala ou Cuba, por exemplo, possuíam independência, autonomia política e econômica meramente formal, pois o governo norte-americano colocava e tirava “sargentos” conforme seus interesses e as classes dominantes e os exércitos locais assinavam embaixo. A imposição dos seus interesses com relação ao Brasil e Argentina, por exemplo, era mais nuançado, mais sutil e diplomático.  Não era a política do garrote no seu estado puro, brutal e sem maiores preocupações pelas aparências como nos países já citados. Era um garrote utilizado com luvas de pelica e com maiores preocupações pela forma. Mas, nas duas situações era a política do big stick, a do grande garrote.

 Não se pode comparar, por exemplo, um guatemalteco com um boliviano, um argentino com um peruano e assim sucessivamente. São países com culturas, com história  e com formas de organização e cultura  política diferentes. Cada um deles com sua própria individualidade histórica. Mas todos eles têm, apesar dessas diferenças, traços comuns. Sempre foram dependentes dos países imperialistas e os leques de opções políticas autônomas foram historicamente muito pequenas ou quase nulas. Sempre houve caricaturas de democracias e simulação da existência de direitos. A história deles com exceção de Chile, Uruguai, Costa Rica e da ditadura institucional do México esteve marcada pelas quarteladas e golpes militares.  A grande maioria dos países do Caribe e da América Central eram propriedade da United Fruits e de outras poderosas empresas norte-americanas. 

Esse era o panorama até o fim da década de 50 e começo da década de 60 do século XX. Profundas mudanças internas e nas suas relações internacionais pareciam marcar “novos rumos”. “Novos rumos” que nascem com pressões e ações dos trabalhadores do campo e da cidade exigindo reformas estruturais e novas formas de convívio político e social. Cria-se um certo consenso social e político: a velha ordem vigente devia ser modificada. Os estudos da Comissão Econômica para a América Latina apontavam basicamente para: a necessidade de novas regras no comércio internacional para atenuar o brutal intercâmbio desigual com os países industrializados; a industrialização e proteção à indústria interna; reforma agrária; reforma tributária e investimento maciços em infraestrutura, educação e saúde. Metas que só seriam atingidas mediante reformas estruturais que alterariam radicalmente as relações econômicas, sociais e políticas de nossos países.

  O triunfo da revolução cubana, a derrocada, em 1958, da ditadura de Marcos Perez Jiménez em Venezuela, o triunfo e a promessa da “revolução em liberdade” de Eduardo Frei Montalva, em 1964, em Chile, os governos civis em Argentina e Peru, as promessas de reformas sociais feitas por João Goulart em Brasil, pareciam marcar mudanças nos sistemas políticos da região e reacender a esperança de dias melhores para os trabalhadores.

A ilusão durou pouco e foi brutalmente esmagada pelos sucessivos golpes militares que começam com o golpe militar no Brasil em março de 1964 e fecham o círculo infernal com o golpe militar na Argentina em 1976. Colômbia e Venezuela são os únicos países da região que mantêm governos civis ou que não significa que tenham ficado à margem da repressão contra os trabalhadores e os partidos marxistas.

O golpe militar no Brasil marca uma profunda ruptura com as quarteladas dos golpes militares precedentes. Brasil inaugura ditaduras militares nas quais as Forças Armadas no seu conjunto e como instituição assume o controle absoluto da gestão política, econômica, social e cultural do Estado. É o golpe militar institucional das Forças Armadas que pretende recompor pela força das armas a hegemonia burguesa e impedir que se abra qualquer brecha às reivindicações populares. O triunfo da revolução cubana trouxe ao solo latino-americano a guerra fria, e a doutrina de segurança nacional passa a identificar qualquer reivindicação como “comunista”. O inimigo é interno e deve ser combatido e reprimido de qualquer forma.

O efeito dominó do golpe militar do Brasil se expande vertiginosamente e com a exceção de Colômbia e Venezuela em todos os países da região se instalam governos militares que com maior ou menor intensidade reprimem, torturam, assassinam, encarceram e mandam para o exílio os seus opositores. Em países como Chile e Argentina com longa tradição de organização, luta e conquista de direitos por parte dos trabalhadores, a ditadura militar de Pinochet e dos generais argentinos instaura regimes políticos marcados pelo terror e horror próprios dos regimes totalitários. 

Os trabalhadores, seus sindicatos, seus partidos políticos pagaram um alto preço em vidas, em conquistas anuladas, em direitos cancelados pelo sonho de uma região mais justa. Sem exageros, pode se dizer, que na triste, sórdida e sangrenta história de ignomínias que são uma constante na América Latina, de 1964 a 1990, a região viveu o período mais cruel da sua curta história. Viveu e conviveu cotidianamente com o terrorismo de Estado levado ao paroxismo por Pinochet e os militares argentinos. Esse traço desconhecido na nossa história se fez presente nos regimes militares desses anos e mudou qualitativamente a percepção da política e do Estado. Os militares de Chile, Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil, com apoio explícito e oculto dos Estados Unidos chegaram a se igualar a Stalin. Montaram a Operação Condor cujo objetivo era a Coordenação dos Serviços repressivos e de inteligência desses países para seqüestrar e assassinar além de suas fronteiras os opositores políticos considerados “inimigos do país e da democracia”.

As ditaduras militares saem da cena política na segunda metade da década de 80 e inicio da década de 90 do século passado. Os governos civis são eleitos e devem governar com a legislação e as normas do jogo político herdado dos regimes militares. Esses governantes recebem países economicamente falidos e com gigantes mazelas sociais. 

Nesse ínterim, da década de oitenta ao início da década de noventa do século XX, o mundo mudou política e economicamente: a queda do muro de Berlim e do mundo “comunista” sob a hegemonia da URSS cai estrondosamente e na sua queda arrasta todos os partidos comunistas do ocidente que órfãos do pai protetor, ficam sem teoria, sem tática, sem estratégia e sem credibilidade social. Sem o contra-poder da URSS, Estados Unidos emerge como a única potência militar e econômica capaz de impor sua dominação inconteste a todo o planeta.

Alguns dos governos civis eleitos pós-ditadura levam e aprofundam o caos social, como Carlos Menem na Argentina, outros são destituídos por corruptos como Collor de Mello em Brasil em 1992 e Alan García em Peru. Fujimori que é eleito como a grande esperança instaura uma ditadura civil marcada pela corrupção e violenta repressão aos trabalhadores. Foge pela porta dos fundos para o Japão. Fernando Henrique Cardoso eleito em 1994 segue à risca o ideário neoliberal, privatiza o que podia privatizar e também o que não podia, como as estradas de ferro, em processos não muito claros com relação a sua lisura, e desmonta as políticas sociais do Estado. Congela o salário mínimo e multiplica por 15 a dívida externa.  Em Uruguai, “blancos e colorados” transformam o país num país de idosos e crianças. Milhares de mulheres e homens em idade de trabalhar abandonam o país por falta de emprego e para não morrer de fome. Patrício Alwyn, no Chile, o primeiro Presidente civil depois da derrota do Pinochet, deve governar da mesma forma que seus sucessores com toda a legislação pinochetista e sob a tutela militar. O caos e a corrupção na Venezuela, legados da Ação Democrática e a Democracia Cristã (COPEI), culminam com a destituição de Carlos Andrés Perez, no seu segundo mandato presidencial, por corrupto. Equador, Bolívia e Paraguai vivem sob o signo da instabilidade política. Sobem e caem Presidentes. Especialmente em Equador e Bolívia, camponeses e indígenas criam fortes movimentos sociais que exigem e demandam modificações substanciais no sistema político.

Nesse marco de incerteza, de miséria e abismos sociais aterradores são eleitos os Presidentes da nova safra.

Dívida externa impagável, concentração de renda absurda, serviços de saúde precários, educação de qualidade privatizada e a pública completamente indigente. Previdência Social em colapso ou falida. Em Chile foi privatizada a previdência social e está falida. Na Argentina junto com o sucateamento do Estado o sucateamento da indústria de bens de capital. No Uruguai, 15,2% vive abaixo do limite da pobreza, ou seja, na miséria absoluta. Em Brasil e Argentina esse índice é de 40%, em Chile de 18% e em Venezuela de 30%. Em Peru, Bolívia, Equador e Paraguai esses índices são de 30 a 40%. Vivem abaixo da linha da pobreza as pessoas que ganham menos de US$ 2,00 por dia. Ou seja, aquelas que lentamente morrem de fome e de doenças originadas na fome.

Não há dúvidas que os regimes militares se retiraram aos quartéis depois de entregar uma herança infame. E os governos civis que os sucederam foram incapazes de modificar essa situação. Em muitos casos, como a Argentina, por exemplo, ou Alan García e Fujimori em Peru esse quadro foi agravado por políticas erradas, pelo desmonte suicida do Estado através da privatização da energia elétrica, das comunicações e dos recursos naturais. No Brasil a política neoliberal de Fernando Henrique Cardoso e a obediência cega às determinações do FMI e do Banco Mundial desmontou o aparelho de Estado, endividou o país de forma astronômica, estancou a economia e aumentou em cifras inimagináveis o desemprego. 

Países falidos com taxas inacreditáveis de fome e desemprego. Em São Paulo, por exemplo, que é o centro motor da economia do Brasil o desemprego é de 18% na região metropolitana e em Salvador na Bahia é de 35%. Nestes países os sistemas de saúde entraram em colapso, a previdência social está falida, os salários reais decrescentes. Há  sérios problemas de infraestrutura, saneamento e água tratadas, de transporte e degradantes condições de vida nas grandes cidades. A isso se soma algo muito mais grave: o desmonte do Estado, ou seja, a redução em um Estado mínimo incapaz de enfrentar e dar resposta às necessidades básicas e prementes da cidadania.

Esses eram e são os desafios da “nova safra” de Presidentes. Quais são as margens de manobra? Insistirão no esquema falido neoliberal ou tentarão inovar e construir um Estado de bem-estar social com políticas públicas de saúde, habitação, moradia, salário que permitam comer todos os dias, transporte barato, educação gratuita, universal e de boa qualidade? Têm força e coragem para realizar algumas reformas com impactos reais na redistribuição de renda como reforma tributária, da previdência e reforma agrária? Ou reformas políticas que limpem definitivamente as armadilhas legadas e algumas recriadas,  das ditaduras militares? Basicamente os novos governantes devem enfrentar três encruzilhadas, entre outras de menor importância: 1. Redefinir suas relações econômicas com o Mercado Comum Europeu e com os Estados Unidos, o que significa redefinir a dívida externa que é impagável, mas que pelos juros e amortizações é uma drenagem permanente de mais-valia para os países industrializados e redefinir os términos de intercâmbio e de pagamento de patentes e royalties. A única solução à vista é o fortalecimento do Mercado Comum latino-americano o que também significa redefinir os capitalismos nacionais. 2. Dessacralizar a economia e sacralizar a política. Atualmente a política na maioria de nossos países está reduzida a discutir taxas de juros, índices de inflação, crescimento do PIB e superávit fiscal. Ou seja, é uma política das aparências que não resolve nenhum dos problemas da cidadania. Sacralizar a política significa que ela seja a protagonista nas relações sociais, significa uma modificação profunda no modo de pensar a sociedade e a economia. Significa pensá-la desde o ponto de vista da maioria da população e para isso, abrir amplos caminhos de participação autônoma para os movimentos sociais. 3. Abandonar de vez as políticas neoliberais assumindo políticas de bem-estar social reconstruindo o pouco que restou depois da fúria suicida dos presidentes neoliberais.

Esses são os enormes desafios para a nova safra de Presidentes. Essas são as exigências daqueles que confiaram na sua voz e nas suas promessas. São as esperanças da maioria dos habitantes de nossos países que desejam viver em um mundo sem violências, com sistemas de saúde, gratuitos, eficientes e universais, com educação de qualidade e ao alcance de todos, com emprego e salários que permitam comer, se vestir e pagar o transporte, com aposentadorias que permitam comer e pagar remédios, com moradias decentes e um chão para plantar e colher.

Os Presidentes da nova safra enfrentam o desafio de modificar as estruturas de representação política, de gestão do Estado, de modificação do poder judiciário e de controle das contas públicas legadas das ditaduras, mediante projetos de reforma constitucional ou recorrendo a plebiscitos ou referendum quando as velhas forças políticas obstaculizem qualquer transformação democrática. Os movimentos sociais e a sociedade civil anseiam que a coisa pública seja realmente pública e que os representantes políticos sejam decentes. Que o poder judiciário faça justiça, independentemente de sexo, status e raça e esteja ao alcance de todos. Que a racionalidade  eficiência e transparência na gestão do Estado, seja norma e não exceção. É pouco, quase nada. É o mínimo que se pode exigir de sociedades que se definem como humanas e civilizadas.

Esta região é uma seqüela permanente de indignidades escandalosas e até agora continuamos vivendo na incógnita das promessas. Hugo Chávez apesar da vontade e de sua poderosa voz de denúncia, até agora não mostrou nada ou quase nada.Luis Inácio Lula da Silva é uma cópia do governo anterior, pois até agora não realizou nem enviou nenhum projeto de lei que modifique algo da herança neoliberal. Ricardo Lagos em Chile diminuiu a pobreza absoluta, estimulou a concentração de renda e tampouco parece disposto a modificar a duvidosa constituição e legislação que preserva os privilégios, que entrega o Estado à tutela militar herdada de Pinochet e que permanece intocada. Kirchner em Argentina é outra incógnita. E o governo de Tabaré Vasquez em Uruguai é ainda muito recente, março de 2005, para poder se emitir alguma opinião.

Estamos frente à “novos rumos” ou apenas mudar-se-á um pouco para não mudar nada conforme ensinava o Príncipe do Leopardo de Lampedusa?

Sem dúvida, esses Presidentes terão que fazer alguma coisa ou cumprir com parte de suas promessas. Caso contrário os protestos ou o voto popular não lhes darão novas oportunidades e a América Latina continuará vivendo sob o jugo das iniqüidades e misérias sociais.

 

31 de Março de 2005
 
*Raul Patricio Gastelo Acuña, sociólogo e membro licenciado do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias do Ceará -CEPAC.

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