ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Só contando, para vocês terem uma idéia da última da Valdenira. Estava afogueada no telefone.

"Oi minha amiga, o caldo aqui está fervente. Acho que não lhe contei que eu tenho um amigo meio revolucionário. Muito leitor, muito sabido, anda sempre com um livro debaixo do braço. Ele é das antigas.O pessoal das antigas tinham umas coisas  assim meio "paranóica". Ele é desconfiadão.A gente nem teve revolução e ele me veio com uma história de que tava havendo uma contra-revolução no Brasil. Eu disse: Que diabo é isso, rapaz? Aí pra me explicar melhor, tacou-me o livro "Revolução dos Bichos" de George Orwell.

"Eu gosto de ler, e hoje já num sei se isso é uma boa pra mim. Porque o pessoal por qualquer coisinha diz: Vixe, Valdenira num precisa de nada não, é alfabetizada, sabe ler, vive em reunião. Aí num sobra nada pra mim, fico na míngua. Agora eu já comecei a falar pra eles que se ser alfabetizada no Brasil valesse alguma coisa, não tinha tanto doutor aí desempregado, em tempo de passar fome, e querendo se alistar no fome zero."

"Mas eu gosto de estar por dentro das histórias e fui ler o tal livro. Resumindo, pra não gastar telefone, é a história duma república cheia de animais que eram dominados por uma classe, de porcos.Os outros bichos fizeram uma revolução pra democratizar a república, mas quando perceberam, aqueles que eles botaram no poder começaram a virar porcos, igualzinho aos outros.Começaram mudando as patas, depois o focinho e no fim ficaram os mesmos: uns porcos. Perguntei ao meu amigo o que ele queria me fazer entender com aquela história. Ele disse: Você não entendeu? O pessoal de Brasília tá ficando igualzinho aos outros, do passado, do ex., defendendo as mesmas idéias."

"Saí com minha cabeça quente, com aquilo encasquetado. Não acredito que isso esteja acontecendo com o presidente Lula. Pra porquinhos eu acho que só viraram uns ministros e uns deputados também. Mas esse pessoal vira e mexe muda de casaca. A gente sempre espera mais dos políticos, mas se decepciona. Aí comecei a prestar atenção nos daqui, do semi-árido. Aí foi que eu percebi que as histórias tavam mesmo estranhas."

 "Olhe, minha amiga, aqueles deputados que defendiam o povo tão ficando contra, e estão defendendo um monte de coisas que eram contra antes, e os outros que eram contra agora enchem a boca, na televisão, com a palavra "inclusão". Um deles disse até que precisava dos nossos talentos e da nossa criatividade. Fiquei foi com medo, pensando naqueles filmes de ficção científica: Como será que eles vão tirar nossos talentos? Ui!"

" Fiquei tão atrapalhada que não sabia o que pensar, mas depois matei a charada. Esses daqui são piores do que os de Brasília. Os de lá a gente sabe mais  ou menos o que são, os daqui não. Se os de lá estão virando porcos, acho que os daqui, minha amiga, estão virando é lobisomem. Você não conhece aquela musiquinha do lobisomem que diz assim: "Tem pés de pato, tem juba de leão, ele pula que nem gato, ele corre que nem cão."

"Pois é, minha amiga, já vou indo, que está escurecendo, e eu tenho medo de topar com um político ou lobisomem desses, por aí. Tchau!"

Rá, rá, rá Valdenira. É o que dá ler livro de revolução no país da "cordialidade". Só existe a "contra" e nunca a revolução. Mas acho que de qualquer forma temos um papel importante nessa história. Os de lá de Brasília podem ser chamados a atenção.Quando a gente se encontrar com alguns deles deve dizer: Deputado, ou ministro, você já viu como sua patinha cresceu? Ou então, deputado seu focinho está muito bonito hoje. Agora, em relação a esses do semi-árido, como a situação é tão confusa e você já batizou o bicho, o melhor é fazer o que diz o resto da musiquinha. "Eu vou pular, eu vou saltar, eu vou correr, esse tal de lobisomem é capaz de me comer".

 

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda

abril/2003

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