ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira voltou antes do que eu pensava, mas por pouco tempo. Só voltou pra me dizer sua grande descoberta: não tinha herói coisa nenhuma nessa revolução. Veja você mesmo.

"Alôzinho, minha amiga. Voltei, mas já tô de mochila nas costas. Vou arribar.Só liguei pra lhe contar daquele assunto...Do herói. Naquele dia eu peguei uma tabuleta escrita assim: Procuro herói. Um monte de gente veio me perguntar se eu estava comprando ouro. Ô humanidade pervertida, meu Deus! Só pensam em dinheiro. Aí um violeiro se aproximou e disse assim: Cê tá procurando herói pra que? Eu disse assim: Pra salvar o Brasil. A coisa tá ficando preta. Meu amigo revolucionário disse que já estamos quase no fundo do poço. Se não tiver herói a coisa pode degringolar. Aí ele começou a cantar com a viola.

 

 "Eu lhe digo brasileira

Com muita sabedoria

Se quer encontrar o Brasil

Em toda sua alegria

Não espere por herói

Nem por líder com brabeza

Melhor é tocar a burrinha

Pro reino das portas verdes."

 

"Daí já não sai mais nada

Ficou tudo no antigo

Pra fazer um Brasil novo

Só levando pro castigo

Os políticos de outro tempo

 Que eu conheço mas não digo

E aquelas estruturas podres

Só jogando elas no vento."

 

"Junte já todas as forças

Que o caminho de verdade

Pra encontrar o tesouro verde

De muita brasilidade

É pra lá do outro lado

Onde haja igualdade

No reino das portas verdes

Encontrarás a verdade."

 

"Vem, vamos embora

Que esperar não é saber

Quem sabe faz a hora

Não espera acontecer."

"Estes últimos versos, do fim, minha amiga, eu tenho impressão que eu já ouvi em outro lugar. Mas o certo é que essa cantoria me deixou meio zonza. Aí eu matei a charada: É isso mesmo. O tempo do herói já passou. Danou-se! O negócio agora é levar pra frente de outro jeito. Bem que eu desconfiava que essa história de herói num ia dar certo."

"Aí, fui procurar meu amigo revolucionário.Eu lhe disse que ele estava diferente, não foi? Mudou da água pro vinho. Pois bem, quando eu cheguei lá falando da cantoria, ele foi logo me dizendo: Valdenira, não acredito em coincidências, mas em sincronicidade. E antes que você me pergunte "que bicho é esse" vou logo dizendo que quando duas pessoas tão pensando a mesma coisa, mais pessoas podem também estar pensando. E isto está profundamente nas cabeças, no inconsciente coletivo que está nos levando para a mesma direção. Revendo meus conceitos me veio a frase do teatrólogo Brecht: Triste do país que precisa de heróis. E isso pra mim foi uma senha. O sinal de que um estágio desse processo no Brasil acabou. Quem não foi herói até agora perdeu a deixa. É melhor negociar com a baleia, porque o mar é grande e tem peixes pra todos aqueles que num tão a fim de serem heróis, mas de mudar o Brasil."

"Eu disse assim: Mas rapaz, e o presidente Lula, e os assessores, consultores e políticos, que é que vão fazer nessa história?

"Ele disse assim: Bom, se restar ainda algum espírito heróico verdadeiro, o que resta ao herói nesse caso é se entregar ao movimento, ao novo, àquilo que está se insurgindo, procurando não resistir. Caso contrário, será tragado pelo movimento ou pela baleia. Eu diria pra todos: Renunciem a ser heróis e vamos todos em busca do tesouro perdido.

"Eu disse pra ele: Meu amigo, mas vai ser um Deus nos acuda, um salve-se quem puder. Um corre-corre danado. Todo mundo querendo o tesouro perdido."

"Ele disse: Vai não, Valdenira. Existem os sepulcros caiados que estão aos pés do Presidente e do Governo pensando só no poder e nas futuras posições políticas. Esses vão resistir e vão tentar puxar o presidente pra ruína. Mas, grande parte da população aderirá a esse movimento para a mudança que eu estou falando. Principalmente os movimentos sociais. E eu acho bom a gente ir pra lá. Haverá necessidade de lideranças verdadeiras. As das últimas eleições não dão mais conta do processo. O poder verdadeiro estará de outro lado. Aqueles que tiverem preparados para seguir continuarão. Os outros que não se entregarem ao processo ficarão cristalizados no tempo. O novo está surgindo. Ao reino das Portas Verdes!

"Minha amiga, agora a coisa vai. Meu amigo tá mesmo revolucionário dos novos tempos.Tchauzinho! Até a volta."

Tchauzinho, Valdenira! Parece-me que Valdenira agora entrou de cara no terreno da ficção. Vamos ver se dessa vez o Brasil mostra mesmo a sua cara. Até a volta!

 

julho 31/07/2003

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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