ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira havia sumido. Tinha entrado no conto da "revolução brasileira". Parece-me que estava realizando tarefas importantes. Agora resolveu nos dar o "ar de sua graça". E já que está na moda entrevistar personalidades importantes pensei logo em entrevistar Valdenira. Antes que ela escape de novo para mais uma dessas tarefas revolucionárias.

"Alôzinho, minha amiga.Voltei! Já tava com saudade do meu feijão com maxixe e da minha paçoca."

Valdenira,já que você voltou e espero que com muitas novidades, que tal você dar uma entrevista para os leitores de A Fala?

"Pois não, minha amiga! Pode mandar ver."

A fala - Para lhe apresentar melhor, qual o seu verdadeiro nome ?

Valdenira - Só é um mesmo minha amiga - Valdenira Fonte. Quem tem apelido e codinome são esses políticos de outros tempos...do passado...

A Fala - Mas esse Fonte é de família do Nordeste mesmo, ou de outro lugar?

Valdenira - Ô mania feia essa das pessoas do semi-árido! Quando a gente se apresenta querem logo saber a família, a árvore da descendência toda... Daí pra formação de oligarquia é um passo. Deus me livre! Num sou de família de oligarquia não. Eu sou é da "Fonte que canta e que se levanta do meio do chão", como na música do chuá, chuá.

A Fala - Sua viagem demorou muito, Valdenira. Você pretende agora ficar muito tempo por aqui?

Valdenira - Minha amiga, pra lhe ser sincera eu estou igual o samba do Martinho da Vila:"Não sei se vou, não sei se fico. Se fico aqui, se fico lá. Se estou lá tenho que vir, se estou aqui eu tenho que voltar." Mas meu amigo revolucionário disse assim: Vai Valdenira, cuidar da retaguarda!

A Fala - Mas você não disse que lá no Reino das Portas Verdes ia precisar de muitas lideranças?

Valdenira - Ia, minha amiga, você disse bem. Mas lá já tem lideranças de primeira qualidade. O que num falta nesse Brasil é liderança das boas. Só falta é coragem pra tocar o barco pra frente e mudar essa parada.

A Fala - E o seu amigo revolucionário, não vai voltar?

Valdenira - Por enquanto não. Ele agora é um dos cabeças do movimento. Mas de vez em quando ele me dá uma ligadinha.

A Fala - Valdenira, e a sua viagem, rendeu bons frutos? Ficamos todos curiosos para saber o que aconteceu. "O tesouro perdido brasileiro" foi encontrado? O que é mesmo esse tesouro?

Valdenira - Minha amiga, todo aquele que procura acha. Num adianta tá no mais escondido. Agora, tesouro num se comunica assim em entrevista não. Tesouro estoura na praça. Quando o tesouro acontece todo mundo fica sabendo, sem nem ter sido comunicado. Quem viver verá, rá, rá,rá.

A Fala - Já que você não quer abrir todo o jogo, Valdenira, que tal falar um pouco de como você vê a política nacional?

Valdenira - Ô assuntinho doloroso, minha amiga! Tem gente até tomando remédio pra esquecer esse assunto. Mas tem também um pessoal daqui do semi-árido que num perde o rebolado. Já apelidaram tudo e andaram espalhando e fazendo mangoça por aí.

A Fala - E a gente pode saber o que foi?

Valdenira - Estão dizendo que a política no Brasil mudou de nome. Antes tinha aquela história de política do café-com-leite e outros nomes, que até escreveram por aí nos livros de História do Brasil. Pois agora, eles estão falando da política do coronelismo-leninismo, com tendência de ir para o coronelismo-stalinismo, ou coronelismo-stalinismo populista. Arre! E a democracia que é boa...Hummm! E os partidos políticos, minha amiga? A propaganda política parece propaganda de sabão em pó. Os rótulos são diferentes, mas num adianta dizer que um é melhor do que o outro. Ninguém cai mais nesse conto.As propagandas são mais ou menos parecidas, e detrás dos rótulos nenhum cumpre mais a verdadeira função.A política partidária tá virando é máquina de lavar roupa suja.

A Fala - E a Reforma Agrária ?

Valdenira - Minha amiga, eu num já lhe disse uma vez que o povo do semi-árido é tudo ligado na poesia. Quando a gente fala de Reforma Agrária a resposta agora vem em verso. Nos versos do Castro Alves, aquele poeta que lutou pelos escravos africanos.Como Reforma Agrária parece que ainda tá ligada à escravidão, eles dizem assim: Reforma Agrária, ó Reforma Agrária, onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes...Ave Maria!

A Fala - Mas a política econômica, segundo o que informaram os representantes do governo está sob controle e eles estão muito felizes nesse final de ano.

Valdenira - É mesmo, minha amiga? Tô vendo que só quem não fica feliz é o meu bolso e o bolso dum monte de brasileiro.É só conta pra pagar e os preços subindo. Quer saber como é que tá a política econômica? Pergunte pro meu bolso? Ele vai decepcionar a felicidade dos governos.

A Fala - E os nossos irmãos indígenas, Valdenira? Como você vê a situação deles?

Valdenira - Acho que esses índios são muito machos, naquele sentido bom do macho, de coragem, valentia, agressividade sadia. Isso é o que o resto do Brasil precisa: força e coragem pra virar o jogo e a parada.Temos que aprender com os índios e a natureza. Temos muito que aprender com eles nesse próximo ano. Se não for por bem... será por um bem melhor ainda! O Brasil é verde não podemos esquecer!

A Fala - E qual a sua estrela no ano de 2004?

Valdenira - A de seis pontas. Quer saber por que? Porque a estrela de seis pontas está no coração e na cabeça de todos nós. E não em estandarte de partido que expulsa gente nossa, da nossa luta. Porque a estrela de seis pontas não depende de burocracia de partido e de Estado pra existir, está em nós e vai iluminar nossos ideais, nossos movimentos e nossa esperança!

A fala - Que mensagem você deixaria para todos no inicio do ano de 2004?

Valdenira - Vamos em frente porque atrás vem gente! A esperança é a última que morre, porque ela faz parte de nós e por isso só morre quando a gente morrer. E...não podemos deixar a peteca cair. Tchauzinho  minha amiga. Um 2004 do tamanho do coração! E até a próxima!

Um 2004 do tamanho do coração para todos nós, Valdenira!

Verônica M. Miranda

28/12/2003

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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