ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira estava demorando a aparecer, mas apareceu finalmente com muitas novidades e cantando. Acompanhem.

"(Cantarolando) A voz do povo é a voz de Deus, chegou a hora da verdade. Muito obrigado amigo meu. Tudo de bom, felicidades...". Alôzinho, minha amiga! Adivinha de quem é essa música? É do Valdick Soriano. Aqui na comunidade, semana passada, todo mundo acordou cantando ela. Parece até que tinha uma radiadora no ouvido.E o meu amigo ex-ex-revolucionário voltou."

- Ex-ex-revolucionário por que Valdenira?

"Porque agora num tem mais nada daquele "revolucionário antigo brasileiro", se limpou de tudo. Agora é um homem das bases, de verdade, de energias novas. Ele confia no povo e o povo nele. Aí logo que ele chegou e soube que o pessoal andava com essa música na cabeça disse assim: Valdenira, eu estou de passagem, mas vamos reunir o pessoal, porque eles devem ter muito o que dizer. Vou organizar um "dossiê do povo da caatinga" sobre o momento político que o Brasil vive. Essa é uma energia necessária para ajudar a enfrentar a crise e quem sabe apontar novas soluções."

"Eu disse assim: Mas meu amigo, essa história tem jeito de acabar bem? E ele respondeu: Valdenira, o pior gesto é aquele que não se faz. Temos uma responsabilidade histórica. A população que nunca teve vez tem muito a dizer e a contribuir.As lideranças que estão com ela não podem se omitir agora. Quem souber cantar cante, quem souber dançar, dance, quem souber usar pena escreva, quem puder usar tambores e maracas pra imprimir um novo ritmo e movimento que o faça. Mas esse é um momento importante e decisivo."

"E da onde vem essa certeza, meu amigo? Ele disse assim: Não é certeza não, são sinais.Quando vi a imagem do Presidente do Brasil na praça da Bastilha em Paris dizendo "o Brasil não merece isso", eu pensei com os meu botões:Não merece mesmo Presidente. Não merece essa desigualdade, não merece essa falta de direitos, não merece essa exclusão do povo, não merece essa corrupção, não merece esse Estado que está caindo aos pedaços, não merece essas políticas econômicas excludentes que vêm sendo feitas até agora.Talvez pela aproximação da praça da Bastilha, me veio à mente a revolução dos direitos que foi a Revolução Francesa. O povo excluído a um ponto que não era mais possível, com uma estrutura velha de Estado que não mais suportava. Aí passou depois a imagem do escândalo da Daslu.Aí eu pensei:Que coisa mais absurda! Seria cafona se não fosse trágico uma loja de novo rico desse tipo no Brasil.E minha conclusão foi: As elites saíram das porteiras da Casa Grande e entraram pelas portas da Daslu. A Daslu, com toda a corrupção descoberta dentro dela, é um símbolo do velho. Como o era a Bastilha. Mas a Bastilha caiu."

-Mas, os tempos são outros, bem diferentes, Valdenira. Será que dá pra comparar França com Brasil, Revolução Francesa com necessidade de derrocada do neoliberalismo?

"Minha amiga,aí é que está.O problema é a exclusão.O povo num tinha direito a nada, a nobreza da França parecia o pessoal da Casa Grande daqui do Brasil. Meu amigo me contou que tinha uma Maria Antonieta que quando soube que o povo não tinha mais nem pão, pra comer, disse assim:pois comam brioches. Minha amiga, o tal do Brioche era um biscoito fino. Se o povo num tinha nem pão, como ia comer brioche. Igualzinha são as madames da Daslu. A loja encostadinha de uma favela, mas quem diz que elas enxergam a favela.Uma mulher de político importante daqui do semi-árido disse uma vez, que tinha achado a campanha política do marido interessante porque pela primeira vez tinha ido à uma favela e assim tinha conhecido a tal favela que ela só ouvia falar.Depois disso, eu até fiz uma sugestão na reunião de quinta-feira.Já que esse pessoal tipo Daslu e Casa Grande são tão alienados, o governo devia fazer um programa turístico pra gerar renda pros programas sociais. Num existe hotel-fazenda. Pois deviam fazer o hotel-favela, pra eles passarem uns dias vivendo exatamente como o pessoal das favelas. Quem sabe assim eles mudavam um pouco a cabeça deles? ".

- E o pessoal concordou?

"Não, minha amiga, porque meu amigo ex-ex-revolucionário tava na reunião e disse que isso não adiantava muito. Falou assim: Valdenira, o pessoal da Casa Grande ainda tem estrutura mental de escravista. Não vê como fazendeiros e grande parte do agronegócio continuam escravizando gente?Quem tinha boa alma e boa vontade eram os escravos que amamentavam e nutriam seus algozes e eram até capazes de amá-los. Os escravistas não tinham piedade, açoitavam os escravos até sangrarem e depois deixavam nos troncos com as formigas.Não consideravam os escravos gente, e é como esse pessoal remanescente da Casa Grande ainda pensa: Pobre não tem direitos porque não é gente. Acham que é sub-gente. E é isso que eles pensam do Presidente que vem do Povo também. E até agora "engoliram"e "aceitaram" o Presidente, em troca do poder que ele está dando ainda pra eles, mas só enquanto não conseguirem desmoralizá-lo como também àqueles que verdadeiramente o escolheram."

"É por isso, minha amiga, que o meu amigo ex-ex-revolucionário diz que não se pode mais fazer revolução da maneira antiga. As estruturas que devem cair "são principalmente as estruturas mentais". É a forma que o pessoal faz política no Brasil que tem de mudar. Aí eu disse assim: Meu amigo se o negócio é esse, então é melhor a gente organizar um "baião". Que o pessoal de desanimado num fez dança nenhuma neste mês de junho, e é bom pra animar o pessoal e fazer "dançar a corrupção". Aí ficou certo minha amiga de eu convocar o pessoal pro "Baião da Corrupção". Mas depois eu conto, que eu já falei demais.Até loguinho!

Valdenira, parece que agora a coisa vai mesmo, hein!

 
16/07/2005
Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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