ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

O profeta e as boas novas, mas sem susto...porque parece que tudo já estava mais ou menos escrito. Vamos ver.

"Alôzinho, minha amiga. Eu já lhe disse que o pessoal tava todo compenetrado, e aí quando o Pedro Grande entrou com aquela roupa voando com o vento e aquele cacete que ele leva sempre com ele, parecia que o mundo ia se acabar. Foi estranho, mas o pessoal continuou lá agüentando as pontas. E o profeta começou com seu sermão.

"Já dizia um dos nossos mestres maiores, que a pérola de maior valor custará tudo o que possuis.Mas se nós conseguíssemos imaginar, de longe, que tudo que nós possuímos não vale 10% dessa pérola, nós não teríamos tanto medo das mudanças.Uma pérola é uma pérola, como uma rosa é uma rosa, diria o poeta. E eu diria que nesse nosso caso é  quase mais que uma rosa. É o fruto de uma rosa do fundo do mar, que a terra nos presenteia. Só tem um preço:desiste de tudo o que tens e me segues."

"Bem-aventurados os simples de coração, pois não necessitarão de muitos bens."

"Bem-aventurados os que não têm muitos bens, pois não terão muitas perdas."

Bem-aventurados os que seguem a vida, pois não lamentarão as perdas.

Vamos cantar:

Eu acredito

 que o mundo será melhor,

quando  o menor que padece

acreditar no menor.

"Todo mundo Cantou com ele, minha amiga, e depois ele continuou."

"Estamos na barca dos sobreviventes, e de fato, os sobreviventes ficam sempre entre dois pólos, medo de perder o que têm, mesmo que seja uma merreca, e fazem qualquer coisa e até pacto com o diabo, vendem a alma, com medo de ficar só e na rua da amargura política. Ou, então, por ressentimento agudo e crônico não querem saber de nenhuma abertura política, para compor dignamente entre os movimentos de base. É necessário sair da sobrevivência para a vida."

"Ora, no momento em que nós vivemos, no entanto, o que temos a perder nesse nosso Brasil de coração grande e pouco usado? Essas estruturas podres, cheias de cupins, de madeira de segunda. Temos a perder a injustiça social, temos a perder a desigualdade, a falta de direitos, a ignorância política, o poder concentrado e absoluto nas mãos de poucos políticos que querem se dar bem e utilizar o Brasil para seus propósitos particulares, esquecendo o que pensa a cidadania e como vive a população. É necessário deixar o projeto político de poder para se ter um projeto político de nação."

 "As estruturas que não servem é porque de tão gastas não fazem a comunicação correta das instituições com suas bases, não há mais energias, não há mais vitalidade, para não falar de amor. Ela não responde mais às necessidades da população. Tornou-se um círculo vicioso, encerrado em si mesmo. A população corre riscos. É a vida dos brasileiros que reclama. A fogueira ao lado espera, os ventos anunciam e chegam forte. À medida que vamos decifrando os pergaminhos das velhas estruturas e mazelas desse país, vamos nos decifrando a nós mesmos, brasileiros, nossas estruturas mentais e políticas que não se suportam e tendem a desmoronar. Pois como dizia Gabriel Garcia Márquez, as estirpes condenadas a cem anos de solidão não terão uma nova oportunidade sobre a terra. E eu acrescento, e o povo que luta e sofre ressurgirá como uma fênix no cenário político."

Meus irmãos, bem-aventurados os que abraçam o novo, pois estarão em boa companhia. Minhas bênçãos.

Cantemos mais uma vez:

Eu acredito

que o mundo será melhor

Quando o menor que padece

acreditar  no menor.

"Vamos ao que tem que ser feito. Não adiemos mais."

Minha amiga, aí chamaram a Maria das Alcovas, porque ia começar o ritual da queima das estruturas. As pessoas pegaram as madeiras podres e foram colocando na fogueira onde ela ia dizendo para ficar.A madeira tava tão bichada que saía faísca.Ela disse para todos se darem as mãos encima da fogueira e fez uma reza.

Bem queimado, bem nascido

Pro velho que vai, pro novo que vem.

Viva todos os santos, Amém.

Depois disso fomos todos pro Baião, que os sanfoneiros tavam esperando. Foi até de manhã.Minha amiga, tô me sentindo aliviada, cumpri minha responsabilidade. Vamos ver se com esse Dossiê do Povo da Caatinga o outro pessoal dos movimentos se exemplam e também vão em frente...Tchauzinho!

Tchauzinho, Valdenira! Vamos torcer pra que a queima tenha efeito...e logo...

 
16/07/2005
Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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