ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira reapareceu cantando, e agora, como diria Elomar Figueira de Melo, "voltando pras curvas do Rio".

"Alôzinho, minha amiga. Tô aqui de mochila nas costas e cantando, aquela musiquinha do Roberto Carlos: "Se um rio em silêncio vai correr na mesma direção, eu vou porque...Eu só tenho um caminho, e não vou sozinha. Vou mudar meu rumo..." Minha amiga, adivinhe aí qual é o meu rumo? Sabe não, né? É a Assembléia Popular, lá em Brasília. É o meu rumo e de um montão de gente dos movimentos sociais."

- Você foi contagiada também pelo Rio São Francisco, Valdenira?

"Minha amiga, a melhor verdade dita é aquela que é feita. Se o Frei Luís num tivesse agido, entregando a própria vida pela vida do Rio e do povo do rio, não tinha despertado a população. O povo do São Francisco estão tudo com esperança agora...E a gente tem que levar a história adiante. Esse Rio São Francisco não é mais só um rio, não. "É um rio que passou em minha vida e o meu coração se deixou levar", como diz aquele samba de carnaval (Paulinho da Viola)."

- Mas, Valdenira, dizem que tem uma briga danada entre os Estados do Nordeste, uns querendo a transposição do rio e outros não querendo...E aí como fica?

"Minha amiga, isso só pode ser história de imprensa marrom. Deixa eu lhe fazer uma perguntinha: Por acaso Estado tem boca pra falar e brigar? Olhe, quando esse pessoal de imprensa vinha do fogo eu já vinha da fumaça, e conheço essas histórias velhas "de que os Estados precisam, que a região Nordeste precisa"...Por que é que eles não dão os nomes aos bois? Duvido se perguntaram aos "pequenos" se eles tavam interessados em transposição do Rio São Francisco. Os "pequenos" que estão nessa história tão tudo mal esclarecidos e usados como bucha de canhão na briga dos "maiorais". As mesmas histórias do tempo dos açudes. Grandes verbas pro povo sofrido do nordeste. No final, o povo sofrido não via um tico de água...Ficava tudinho nas propriedades dos grandes.Tudo enganação. E agora é pior. Tirar a água dos "pequenos" de outros Estados, que já tem pouco e dependem do Rio, correndo risco de ficar um monte de gente sem água, porque o rio num agüenta essa sangria toda. E a água que for levada a gente já sabe, num adianta querer enganar... Não vai chegar pros pequenos. Já soube até que os preços das terras das beiradas do Rio vão subir tanto, que pequeno nenhum vai ter direito é mais a nada."

- Mas,Valdenira, será que os pequenos dos outros Estados que não tem água do Rio São Francisco, não iam querer também a transposição do Rio?

"Minha amiga, conheço o meu povo. Se perguntarem direito, sem mutreta, e explicando direito a situação, os "pequenos" não vão querer isso. Eles não vão querer um mal desses pros outros pequenos de outros Estados, porque eles ficam pensando que o mesmo podia acontecer com eles. Mas, se perguntassem a eles o que eles preferiam, eu aposto que eles iam preferir mais cisternas, mais cacimbas e mais recursos pra plantar. Imagina aí os rios de dinheiro que vão gastar com esse projeto. Que podia ser pra aplicar na pequena produção do semi-árido e na Reforma Agrária. E "pequeno" nenhum tem condições de fazer irrigação e ligação de água do Rio São Francisco até suas terras, e adivinha quem vai adquirir as terras das beiradas das águas, por onde o rio passar? Quem é que tem dinheiro e crédito pra comprar terra cara e equipamento, também? Os maiorais do agronegócio."

-Ah, Valdenira, vi também umas críticas nos jornais de que essa discussão do São Francisco tinha se tornado uma "questão emocional", para aqueles que não queriam a transposição, pois o projeto da transposição tinha todos os detalhes técnicos e explicações pra tudo...

"Minha amiga, é o tal negócio, cante lá que eu canto cá...Se eles têm técnicos pra explicar a transposição, do outro lado os movimentos sociais têm outros técnicos pra explicar as condições do Rio, e como vai ficar o povo do São Francisco, mostrando o perigo do Rio morrer em alguns lugares, e do povo ficar na pior. E tem o conhecimento do povo que morou sua vida toda perto do Rio, vivendo do Rio. E conhece o Rio e sabe seu "passadio".E o Frei Luís também fez o dossiê do Povo do rio São Francisco explicando a situação.

"Agora, deixa eu lhe dizer uma coisinha sobre esses jornalistas. É um pessoal acostumado a ter água na torneira, no seu chuveiro. Na hora que estão tomando banho não pensam nem de onde tá vindo a água, que pode ser de um rio ou açude, que se não cuidar a água se acaba. E por isso mesmo num entendem porque a vida de um Rio toca tanto a vida do povo do sertão. E não entendem também porque o Frei Luís foi até as últimas conseqüências pra salvar o Rio. O povo sofrido do semi-árido sabe o que é não ter água, e não só pra ele mesmo, mas também pros animais, pras plantinhas, pra toda criatura vivente. Quem vive do Rio ama o Rio.Como é que o povo não vai se emocionar com uma coisa dessas? Mas, eu acho essa história muito parecida com as mesmas idéias dos coronéis. Tudo que o povo reclamava, do mal passadio, de não ter direito nenhum, os coronéis diziam: isso é coisa de comunista, isso é ideológico...Agora dizem: isso é uma questão emocional. Era melhor dizer pra esses jornalistas, como  dizia o Pedro Grande, pra eles exorcizarem o coronel da cabeça deles. Tão agindo igualzinho os coronéis. E uns deles ainda dizem que são comunistas. Comunistas casados com os coronéis, rá, rá, rá.

- Mas, Valdenira, um passarinho andou me contando por aqui que estava havendo uns acordos com uns movimentos sociais, para cederem umas terras pra reforma agrária, em troca desses movimentos apoiarem a transposição do rio...

"Minha amiga, boato corre muitas léguas, mas eu num acredito que os movimentos sociais vão se sujar num acordo desses. Se fizerem vão ser uns poucos, pois a Assembléia Popular vai tá unida, pezinho com pezinho...É a vez do São Francisco, e a idéia é correr todo mundo numa mesma direção, igual o Rio. Dessa vez ou vai ou racha. Quando eu voltar eu lhe conto. Deixa eu lhe cantar o restinho do Rio (do Roberto Carlos)."

Sem medo, cedo ou tarde a gente tem
Que enfrentar eu sei, o que há de vir
Porém se num momento fraquejar
O vento irá soprar e o chão vai se abrir

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Se alguém me seguir
Verá que eu não minto
Não pretendo esperar, não

Não pretendo esperar, não
Vou mudar meu rumo
Vou mudar meu rumo vou
Vou mudar meu rumo
...tchauzinhoooo!

- Bons ventos a levem, Valdenira. Tchauzinho, até a volta.

 
20/10/2005
Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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