ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

E agora só deu pra São João, com pé-de-moleque e tudo, porque a bola está no pé, o pé-de-moleque está na mão, e o coração está na boca, porque ninguém é de ferro.

"Alôzinho, minha amiga. Estive falando com Nonato Daniel que era melhor maneirar um pouco aí com os transgênicos e entrar mais no futebol. O pessoal tinha ficado preocupado demais com essas histórias dos transgênicos, perdendo noite de sono e isso não era muito bom, não. O pessoal se impressiona! Era melhor a gente misturar um pouco as palestras. Também depois do jogo do Brasil com o Japão, o pessoal começou a se animar com a Copa, porque antes num estavam muito animado não."

-Mas, Valdenira, já faz um bom tempo que vejo bandeiras em carros nas ruas e nas casas, as pessoas vestidas de verde-amarelo, em todos os lugares,dando sinais muito grandes de que estavam esperando a Copa de futebol."

"É mesmo, minha amiga, mas tudo zumbi. A televisão quando começa a fazer propaganda e o comércio também, faz todo mundo entrar na moda.Se botarem um penico verde-amarelo na cabeça, no outro dia tá todo mundo na rua com o tal penico. É homem vestido de verde-amarelo dos pés à cabeça. Se olhando nos espelhos pra ver se tá de acordo. A mulherada toda com todo tipo de roupa : vestido, bermuda, saia, calcinha, sutiã, meia e o que tiver mais, tudo verde - amarelo  e com bandeira , querendo seguir os desfiles de moda na televisão. As unhas cheias de bandeirinha, mais cara do que as outras pinturas. Os bebezinhos pequenos com fraldas de bandeira do Brasil, mijando na bandeira. Em casa é pano de prato, caneco, toalha de banho, tudo verde-amarelo e com bandeira. Olhe, o comércio apostou na Copa, e resolveu explorar mesmo a bandeira nacional. Nunca ganhou tanto dinheiro como agora, e os fabricantes também. É assim que o capital cresce, aproveitando que o povo fica zumbi, e depois dizem que a religião é que é o ópio do povo."

-Mas, Valdenira, você não acha que o povo tem direito a comemorar? Você também não vestiu um verde-amarelo?

"Tem direito a comemorar, minha amiga, mas precisa tomar cuidado pra não virar zumbi. Eu vi muita gente fantasiada de Copa, mas não estava vendo fagulha no coração do povo. Foi só no jogo com o Japão que a coisa começou a esquentar, mas aí combinei com o Nonato Daniel, que a hora era boa pra discutir os problemas do futebol também. Eu num gosto de dar muito lucro pra capital não minha amiga, meu verde é uma folhinha de arruda atrás da orelha e o amarelo é a chama que arde no coração. Agora, sou brasileira com muito orgulho e com muito amor, mas não pra cair nesse nacionalismo barato que só alimenta empresa e comércio."

-Mas, tem muitos políticos também, Valdenira, apostando que mais uma estrela para o Brasil vai ajudar a campanha de muita gente.

"Se tem, minha amiga, dá vontade até de torcer contra, só pra não ajudar essas cambadas de oportunistas e populistas. Mas,o coração fala mais alto. Quando o Brasil entra em campo é bola no pé e coração na mão. Aí, minha amiga, resolvemos fazer pé-de-moleque, já que o mês estava pedindo. Era copa, era forró, tudo no pé. E o pessoal pra aguentar tanta reflexão e tanta emoção ao mesmo tempo só com muita castanha de caju e modubim (amendoim). Haja pé-de-moleque! Minha amiga, já vou, mas depois lhe conto o resto. As histórias tão meio pingadas porque a ocupação é grande por aqui. Tchauzinho!

-Tchauzinho, Valdenira! E vamos ver se a seleção brasileira coloca pé-de-moleque nessa Copa.

 
22/06/2006
Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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