ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

De pé, em pé, é que se enche um gramado. Se não acredita, acompanhe.

"Alôzinho, minha amiga. A fogueira do 23 foi das boas. O pessoal tava mesmo afogueado. O Brasil se reinvindicou, depois daquele gol de cabeça do Ronaldo. Depois de muito se criticar o Ronaldo, ele deu a volta por cima. Depois do gol, chega a cara dele inchou na televisão, de pura satisfação. Uma pessoa que tava assistindo disse assim: Vixe, que o Ronaldo inchou a cara que nem um sapo. Aí alguém respondeu assim: Rapaz, isso é forma de tratar os jogadores brasileiros? Eles são nossos representantes, e estão lá dando duro pro Brasil ganhar. Aí eu já vi briga e disse assim: Ô pessoal, vamos parar com essa confusão, aí. Nunca ouviram dizer que todo sapo pode virar príncipe? Nunca ouviram conto de fada, não? O rapaz tá é elogiando."

- Valdenira, mas essa história não é bem assim. Tem sapo que não vira príncipe.

"Minha amiga, a gente sabe, a gente sabe...Mas a gente faz tudo para evitar confusão de graça. A gente só briga mesmo quando os direitos da gente num são respeitado.Mas, depois que nós vimos a animação no jogo, pensamos assim:é melhor levar pé-de-moleque pra reunião. Pro pessoal e pros jogadores se eles quiserem. Se a coisa fraquejar no campo, o pé-de-moleque ajuda. rá, rá, rá."

-E como foram os debates do São João, Valdenira?

"Bom, minha amiga, com fogueira e pé-de-moleque, o Nonato Daniel começou a falar do futebol, como uma coisa que hoje é do mundo todo. Mas o futebol já era também dos nossos povos antigos (ancestrais). Os índios gostam de futebol, até as mulheres, porque conhecem a bola há muitos tempos. E uma pessoa disse que tinha visto uns índios na televisão assistindo os jogos de futebol e torcendo. Com bandeira do Brasil, pintados de verde e amarelo, e colocavam a mão no peito cantando o Hino Nacional. Outra pessoa disse assim: Os índios gostam da pátria! Nonato Daniel falou encima das buchas: É, mas ao que parece a pátria não gosta muito deles. Pois tem maltratado os índios durante 500 e mais anos. Essa pátria não tem sido uma mãe muito gentil com eles, como canta o hino nacional. E uma pátria que não consegue ser gentil com os próprios "filhos da terra" tem que se voltar sobre si mesma, e se recuperar dos erros passados, passando a tratar os índios com dignidade, senão seu futuro será pobre.Minha amiga, todo mundo aplaudiu. Essa já é causa quase ganha."

"Depois, ele falou, que o Brasil tinha muitos talentos no futebol, mas que a globalização de tudo, do sistema onde tudo é lucro,  porque o capital não tem pátria, estava despatriando os nossos melhores jogadores e técnicos de futebol, que o futebol tinha deixado de ser uma questão nacional pra ser um negócio.Disseram até que as grandes empresas que usavam os jogadores como garotos propaganda de seus produtos ficavam querendo forçar o técnico e as associações de futebol para os jogadores participarem, até quando eles não tinham condições. O negócio é o lucro da propaganda. Quanto dinheiro esses jogadores não levam para as empresas?"

"Uma pessoa, lá, falou que a seleção brasileira estava parecendo mais com a seleção da Comunidade Européia, só tinha jogador brasileiro que jogava em clube europeu. Não são como o pessoal do Japão,que tem um treinador brasileiro, o Zico, mas tão rente no Japão. Podem até comer feijão com arroz brasileiro, que o Zico receitou pra eles correrem mais em campo, mas tão firme no japão. Uma pessoa lá disse assim: Coitado do Zico, no jogo do Japão com o Brasil. Com o coração na mão dividido em dois: se fosse torcer pelo Brasil corria risco de perder o emprego. Se fosse torcer pelo Japão, seu lado brasileiro dizia assim:traidor! O Felipão, que agora é técnico da Seleção Portuguesa, com uns olhos assim meio tristes, com saudade da Copa de 2002. Ser brasileiro tipo exportação é duro, minha amiga!"

-Valdenira, e o clube de torcedoras femininas aumentou bastante este ano, não foi?

"Pois é, minha amiga. Discutiram isso por lá, porque uns homens estranharam a quantidade de mulheres nos bares, paramentadas pro futebol e fazendo torcida. Os homens num se acostumam nunca com essa história de que espaço só de homem num tem mais sentido. O problema é que alguns não se acostumam com mulher, e ficam assim meio desequilibrados. Num conseguem nem se concentrar no jogo. Mas aí colocaram essa questão pro Nonato Daniel."

" O Nonato Daniel falou assim:"A participação das mulheres em jogos de futebol e em torcida em bares já existia, mas é verdade também que este ano aumentou bastante. E eu só vejo uma explicação, é que o feminino profundo, assim como a natureza, colocou os seus pés de forma firme no inconsciente coletivo, e isso acarretará muitas mudanças  e por parte de muitos até estranheza. O feminino profundo no inconsciente coletivo tende a quebrar os estereótipos, e afetará tanto homens como mulheres, porque esse aspecto profundo do feminino está em falta nos dois sexos em nossa cultura. Tanto os homens que não conseguem ver mulher assistindo um jogo, porque perdem o equilíbrio,o que significa que seu lado feminino está muito afetado, descuidado, descompensado, como para as mulheres que encarnaram os dois tipos de estereótipos mais comuns: aquele do passado que diz que mulher tem que ser dona-de-casa e aquele do presente que diz que mulher tem que ser igual ao homem para poder ser na sociedade e cultura. O feminino quer mostrar que as diferenças podem coexistir de uma forma amorosa e atrativa. Por isso é bom para os homens que têm o feminino desequilibrado irem se acostumando. As mulheres vão fazer torcida de jogo, dirigir tratores, cozinhar, fazer poesia e todo tipo de arte e lutar boxe, com toda a sua graça feminina. É o direito de ser, sem precisar se macaquear para parecer mulher, nem se masculinizar para parecer homem e ser aceita pela cultura e sociedade. Fazendo o que diz o seu coração, na sua integridade."

"Minha amiga, dessa eu gostei. Mulher no Brasil agora vai ser igual Chiquita Bacana, "só faz o que manda o seu coração". Mulheres desse Brasilzão uni-vos e dizei como Salomão, na Bíblia: Senhor, dai-nos um coração que escuta! Minha amiga, esse assunto ainda vai rolar, mas por hoje é só, que ainda tenho que ir preparar a torcida feminina do próximo jogo do Brasil, com a Gana. Adivinha qual vai ser a fantasia? De Chiquita Bacana, com casca de banana nanica,rá, rá, rá.Tchauzinho!

-Tchauzinho,Valdenira. Essa é boa! Vamos cantar a Chiquita Bacana:

"Chiquita Bacana, lá da Martinica

Se veste com uma casca de banana nanica.

 

Não usa vestido, não usa calção

Inverno pra ela é pleno verão

Existencialista com toda razão

Só faz o que manda o seu coração.

(Autoria de Braguinha - Alberto Ribeiro, 1949)

 

24/06/2006
 
Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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