ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Pelo visto, hoje o assunto vai sobrar pra muita gente. Mas não podemos tirar a razão da Valdenira, todo mundo precisa de auto-estima e de agulhada também.Leia e veja se ela não tem razão.

"Minha amiga de Deus, nem lhe conto. A reunião pegou fogo naquele dia. Além da história dos refrigerantes do Fome Zero ainda tinha a história de um caderninho, onde todos tinham que anotar o que compraram. Falaram essa história e os olhos caíram tudinho em cima de mim.Eu fiquei toda encolhida na cadeira, procurando um assunto pra desviar aquela conversa. Pois você num sabe, minha amiga, que esse papo vai sobrar pra mim? O pessoal mal sabe assinar o nome pra votar.E você acha que eles vão pedir ajuda pra quem? Pra "euzinha" aqui. Num digo que ser alfabetizada sozinha no sertão não vale a pena. É só trabalho"

"Defendi na reunião, e continuo defendendo, que o Fome Zero  tem que ter educação. O povo daqui precisa ter condição de se virar sozinho nessas coisas. Eu não me nego de escrever carta pra ninguém. Mas minha mão vai secar se eu for fazer caderninho de compra pra todo mundo.Pensei até em dar uma sugestão pro governo Lula. Se havia "escrivão da Frota" pra descobrir o Brasil, devia ter "escrivão da Fome" pra inventar de novo o Brasil. Mas eu não falei nada na reunião porque o pessoal ia me pinicar de crítica. Já sei o que iam dizer. Que eu estava querendo aumentar a burocracia do Fome Zero e que o certo era tirar essa burocracia de anotar em caderninho.Eu até concordo. Pra que tanta confusão e burocracia por causa de uns míseros "cinquentinha?" Mas a outra crítica era a pior, minha amiga, iam dizer que eu estava dando aquela idéia porque sei escrever e ia ser contratada como "escriturária da Fome". Conheço o meu povo. Ô povo da língua grande, meu Deus!"

"O outro motivo pra eu não falar, é que uns jornalistas desses grandões lá do Sul andavam corubijando pra saber os problemas do Fome Zero e alardear pro Brasil e o mundo todo. Essa imprensa marrom só quer prejudicar, só procura os erros, tem compromisso com o fracasso. Eles podiam criticar sim as coisas erradas, mas noticiar também as coisas boas que estão acontecendo no Fome Zero, no Governo Lula e no Brasil. Mas essa imprensa que só quer vender, só gosta de noticiar crime, defeito, erro, problema. Parece até que nós somos a população pior do mundo e que só existem problemas.Eles deviam aprender com os sertanejos,as coisas boas que tem por aqui, e mostrar isso para o resto dos brasileiros e do mundo. Quando eles deixarem de procurar só os problemas pra prejudicar o governo e nós também, e ver o outro lado, eles vão fazer um jornalismo sério.Eles precisam melhorar sua auto-estima."

E isso é o que diz o Presidente Lula, Valdenira, que vai melhorar a auto-estima dos brasileiros.

"Pois minha amiga, num é verdade? E depois disso já aconteceram umas tantas.Brasileiro é bicho danado e tem uma criatividade que eu chamo de "criatividade camelô". Num instante, depois que o Presidente falou da auto-estima, apareceram as propagandas por aqui, no sertão. Uns livrinhos pra vender, parecidos com romance de cordel, com o título assim: "Como aumentar a auto-estima do sertanejo", e o outro : " O sertanejo é antes de tudo um forte". O povo aproveita tudo. É por essas e outras que um Euclides da Cunha se revira lá na cova.Mas se não for assim como eles podem se "virar" e sobreviver. O negócio é botar fé no Fome Zero e fazer a criticazinha construtiva também. Ele tem que gerar empregos, senão a "criatividade camelô" tem que aumentar. Até mais, minha amiga, que nós vamos desviar a atenção de uns jornalistas mal intencionados, por aí.

Ai, ai, Valdenira, seria bom se o povo da Esplanada dos Ministérios viesse conhecer essa "criatividade de camelô". Assim pode ser que o Fome Zero ganhe mais impulso.

 

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda

Maio/2003

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Espaço Virtual do Centro de Estudos e Pesquisas Agrárias do Ceará-CEPAC

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