ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Ainda o Fome Zero. Parece que ele está ocupando muito o tempo da Valdenira. Vamos ver o que ela traz agora.

"Alôzinho, minha amiga! Nem lhe conto, tá um ceribolo danado por causa dos erros das fichas do povo do Fome Zero. Tem gente reclamando que ficou fora e que passa fome, e outros bem de vida - bem de vida é piada, aqui todo mundo precisa - mas tem alguns piorzinho de situação que não entraram no programa."

"Eu disse em reunião, e estou cansada de dizer, esses levantamentos feitos por funcionário de prefeitura ou outra burocracia, não podem dar certo.Muitos deles não estão nem aí com a situação de fome de ninguém.Uma conhecida minha me contou que chegou um funcionário na casa dela com um questionário, perguntando quantas vezes ela comia no dia. Ela respondeu que comia 3 vezes. O funcionário não continuou o questionário e disse que ela comia 3 vezes por dia, e essa era a meta do governo Lula pra 4 anos.Não deixou nem a mulher explicar nada e saiu."

"Resultado da história, minha amiga,todo mundo da vizinhança sabia que aquela coitada passava fome e o funcionário não tinha deixado ela explicar. Ela comia 3 vezes ao dia, mas ele não perguntou o que. Tomava chá de erva-doce, porque não precisa de açúcar, pela manhã. Um chá limpo seco e escorrido. Comia um pouco de macarrão no almoço, porque é mais barato e engana mais a barriga (e às vezes vem nas cestas) e na hora da janta um pedaço de beiju. Ela comia três vezes sim, senão estava morta.Mas que tipo de comida?"

"Todos fomos de acordo na reunião, que deveria ter uma comissão da própria comunidade que alistasse o povo de acordo com as necessidades, porque o pessoal da comunidade sabe o "passadio" de todo mundo e sabe quem está pior. E qualquer problema a gente leva pras reuniões. Aqueles que não puderem entrar no momento, podem receber ajuda da comunidade que vai estar mais ativa e com mais laços entre todos. Agora, se ficar nas mãos dos burocratas de prefeitura ou outros órgãos, isso não vai se resolver. Já temos experiência desse negócio. O problema do Brasil não é só a "saúva" não, como dizia um dos maiorais do país.O grande problema do Brasil é quererem fazer tudo de cima pra baixo, e isso nunca deu certo.Tchau, até a próxima."

Pois é Valdenira, quando será que o Estado Brasileiro vai aprender com o povo, que o que vem de baixo não atinge ninguém, nem mesmo a "saúva".Só atinge se quiserem fazer as coisas de cima pra baixo.

 

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda

Maio/2003

 

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