ZOANDO NA CAATINGA

A VOZ DE VALDENIRA


Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga e de todo o país. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Acompanhe.

Valdenira ia começar a falar e eu mal deixei que ela começasse, fui logo perguntando, interessada que eu estava, na reação dos políticos maiorais que chegam por lá, em relação aos movimentos religiosos.Ela foi logo respondendo.

"Olá,minha amiga! Cê ficou mordida com essa história, né? É o que eu sempre digo, uma provocaçãozinha ajuda a gente a pensar.A história dos políticos é meio complicada por essas bandas, porque tem uns que dizem assim:Vem cá santinho, vem ser meu parceiro nessa eleição.E tem outros que dizem assim: Xô...e quase cantam aquela música do endiabrado.Os que gostam de santo, pra influenciar o povo, têm até um santinho no gabinete. Ô sacrilégio! Mostra o santo e esconde o demônio. Só pra iludir o povo.E tem os outros, aqueles "revolucionários das antigas". Meu amigo, aquele muito sabido, vive me dizendo: Valdenira, deixa de dar corda pro povo com essa história de religião. Religião é o ópio do povo."

"Eu digo pra ele:Rapaz, você ainda está no tempo antigo, vivendo no passado. Ópio do povo é a coca-cola, é a propaganda política da televisão que só fala mentira. Num adianta reprimir as necessidades do povo. Reprimiu, fica mais interessante, cria mercado negro.Já pensou  mercado negro de religião? Agora, desmascarar esses santos políticos que tem por aí, até em nome de projeto das secas, projeto São José, projeto Santo Antônio e não sei que mais santo, é assunto de nossa reunião de quinta-feira."

Mas tem umas religiões por aí que gostam muito do dinheiro da população, Valdenira.

"Minha amiga,desde que o mundo é mundo o povo negocia de tudo, até religião.Um professor de história, que deu uma palestra na comunidade, falou que nas "Idades Médias" foi criado o protestantismo, esse pessoal da Assembléia de Deus, porque tinha muita gente criticando os padres daquela época, estavam virando negociantes. Eles estavam vendendo até "pedacinho do céu" pra quando o pessoal morresse, a tal das indulgências. Ele falou isso e eu pedi a palavra pra dizer que isso ainda acontecia em muitas religiões. O povo se queixa."

Mas a Igreja católica faz isso também, Valdenira?

"Olhe, minha amiga, na nossa comunidade isso não aconteceu não. São uns padres sérios e amigos do povo. Agora tinha uma comunidade aí vizinha que o povo morria de trabalhar nas festas da santa padroeira e o padre embolsava tudo. Era o dinheiro da Santa, dizia ele. O povo na miséria mais miserável. Não tinha um salão pra reunião, passando fome e o padre comprando carro novo do ano, viajando pra cima e pra baixo com o dinheiro da Santa. O pessoal começou a ficar de "orelha em pé" com essa história e fizeram uma reunião. Daí resolveram mudar o destino da comunidade.Diz uma história, não sei aonde, que quando várias pessoas se reúnem por uma boa causa os santos ajudam. Pois foi o que aconteceu."

"Nem lhe conto, minha amiga, o que aconteceu na festa da padroeira seguinte. Na hora de entregar o dinheiro pro padre, o pessoal encarregado pediu uma reunião, e lá disseram que várias pessoas da comunidade tinham sonhado com  a Santa, que ela mandou um recado pra todos. Que aquele dinheiro era pra fazer um salão pras reuniões da comunidade, e que o resto que sobrasse era pra comprar cesta de alimentos pros mais necessitados.O padre ainda quis questionar, mas o pessoal falou: "Você não disse pra nós que o dinheiro era da Santa? Pois foi a Santa que autorizou. E quase todo mundo tinha sonhado com a Santa. Todos contra um. No outro ano aconteceu a mesma história. O padre desesperado, tendo que vender carro e outras propriedades da igreja pra se sustentar chamou eles pra fazer acordo. Eles disseram que iam perguntar à Santa. Ela apareceu em sonhos de novo, e eles foram autorizados a dar pro padre uma percentagem pequenininha e nada mais. O restante era da Santa...e da comunidade."

" Rá, rá, rá, minha amiga, essa história eu conto de boca cheia. Pensam que o povo é besta.Eu digo sempre, se aparecer por aqui qualquer um, de qualquer religião, botando santo e espírito santo pra ganhar dinheiro do povo, já temos a fórmula certa. Vamos perguntar pros santos e pra Deus se ele autoriza. Esses que só querem ganhar dinheiro não são verdadeiros pastores, são verdadeiros atravessadores."

"Mas essa história de religião aqui no sertão tem de tudo, é porque as pessoas num querem enxergar. Num dizem que o pior cego é aquele que num quer ver. Até pajelança de índio já chegou outro dia. Uma mulher doente daqui tinha um parente índio e mandou chamar ele pra tratar dela. Diz ela que ficou boazinha, mas o pessoal todo ficou duvidando. Fiquei com o coração apertado, minha amiga, pensando nos índios. Acho que eles não tem religião tão misturada, e nem acreditada. Mas essa fica pra próxima. Até loguinho."

Valdenira, essa história da Santa é das boas. Eu sempre digo que os sonhos são importantes. Acreditem nos sonhos, eles podem trazer grandes soluções.

 

junho/2003

Colunista: Verônica M.Mapurunga de Miranda
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