ZOANDO NA CAATINGA |
VALDENIRA NA TRANSIÇÃO |
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Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga, de todo o país e agora também do planeta. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Depois de um longo tempo afastada ela reapareceu. As tarefas da transição planetária mobilizaram muitos corações, inclusive aqueles da Caatinga. São novos tempos, novas tarefas e novos movimentos de transformação. Acompanhe. |
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A época é de muitos preparativos, estudos e treinamentos para as grandes mudanças do planeta. Aqui e ali Valdenira se encontra com seu amigo revolucionário para se alinhar às novas atividades. Afinal de contas, abrir o coração é também abraçar novas perspectivas. O planeta está mudando e vai mudar mais ainda. E nós, os divulgadores dessa nova etapa já estamos aguardando as novidades. Ela já vem chegando toda esbaforida: -Alôzinho, minha amiga! Estivemos numa movimentação danada. Meu amigo revolucionário chegou com umas idéias pra lá de estranhas, mas a gente sabendo que tem muita mudança. Eu disse assim: Pessoal, é o seguinte, nós vamos mudar, mas somente se as mudanças prestarem. Primeiro vamos conversar. Aqui nós temos uma peneira, se passar na peneira serve, se não, é bom voltar pra conversar lá com os seus mentores, seus maiorais, porque aqui na caatinga nós num somos charlatão, não. Somos gente séria, rá, rá, rá. -É uma boa posição, Valdenira. Afinal de contas se é pra contribuir e participar é bom ouvir e considerar o feedback. -Pois é, minha amiga. Essas palavras estrangeiras a gente num entende não. Mas tudo bem, vamos lá. Meu amigo revolucionário disse assim: Valdenira, a primeira coisa que temos que ter gravado na cabeça e que é o mais importante é abrir o coração, senão nada vai pra frente. E a palavra mágica não é "Abre-te Sésamo". A palavra mágica é: "Amoooorrrr....", assim mesmo com todos os OS e os ERRES, amor com tudo. É a senha principal para podermos acessar devidamente o software, que vai movimentar e transformar o nosso hardware. Aí eu pensei : O negócio é sério demais, vai ser muita mudança, com esses nomes estranhos de computador, é coisa lá das galáxias distantes. E ele ainda disse mais: Valdenira em todo o universo e galáxias vizinhas estão todos com os olhos voltados pra nós, porque temos que conseguir fazer as mudanças necessárias para o planeta seguir sua rota do jeito que tem que ser. Tudo já está escrito nas estrelas. Temos agora que incorporar o universo. Quem aqui pensou alguma vez no universo? -Eu disse assim: Olhe aqui meu filho, desde que eu era criancinha, eu olhava pras estrelas. E vivia com os dedos cheios de verruga de apontar pras estrelas. Minha mãe vivia dizendo: Valdenira num aponta os dedos pras estrelas, que cria verruga. Eu sabia todas as estrelas de cor e salteado, Estrela Dalva, Cruzeiro do Sul e um monte de outras. Você tá pensando o que, que sertanejo não conhece o universo? Quem não conhece é o pessoal da cidade. Ninguém vê nem o céu. E sobre o Amooorrr é o seguinte: E a terra era uma criança ainda quando eu comecei amar. Sou das antigas meu filho. -A outra questão importante, disse meu amigo, é entender que a linguagem do universo é a matemática. Já dizia Euclides. Tudo no fim se transforma em matemática. Se a matemática estiver errada, tudo sai errado também. -Aí, minha amiga, eu me toquei. Porque eu tô cansada desse povo, que tem dor de cotovelo, viver cantando aquela música do Rei Roberto Carlos: "Meu amor, tudo em volta está deserto, tudo certo. Tudo certo como dois e dois são cinco." E tudo isso é igual a fossa e dor de cotovelo. Agora que eu entendi. Se a matemática tá errada, como pode dar certo? Tem que pedir pro Rei mudar essa matemática da música pra "tudo certo como dois e dois são 4. Pode ser que assim acabe essa dor de cotovelo desgraçada e esse povo se alegre mais, né? Afe! Agora, o Euclides, o pessoal só conhece mesmo o Euclides da Cunha, que dizia que o sertanejo é antes de tudo um forte. Vai ver que sertanejo tem uma matemática boa. -E a matemática é básica Valdenira. Felizmente ou infelizmente precisamos dela no dia a dia. -É, minha amiga, eu vivia dizendo pro pessoal daqui: Estude matemática pra num ser enganado. Iam pesar o algodão no final da safra e o dono retirava uma quantidade grande, roubava mesmo. O pessoal não entendia de matemática e lá se ia a renda deles. Ficava só um pouquinho. Mas já tinha também o outro lado, que nem sempre era muito bom. A matemática e a tecnologia (eita palavrinha pra me arrepiar) juntinhas às vezes só complicava a vida do produtor. Uma vez cheguei na casa de um produtor amigo e ele, que era uma pessoa calma, tava muito exaltado. E tudo por causa da matemática e da tecnologia. Ele disse que no ano que tinha passado uns técnicos tinham andado por lá pra ele plantar o feijão IAC, não sei das quantas. Que era um feijão muito bom, que dava uma safra boa e muita conversa. Ele resolveu experimentar. Plantou e colheu e a produção foi até boa. Todo ano ele guardava uma partezinha da safra, em garrafas, como semente, pro ano seguinte ele ter a semente pra plantar. No próximo plantio ele foi buscar as sementes guardadas e plantou. Esperou, esperou e não nasceu nenhum pé de feijão. Ele não entendia e foi buscar explicação. Resultado: a matemática do feijão só produzia um ano. A tecnologia tinha modificado o feijão para produzir muito, mas de uma só vez. E ele ficou no ora veja. A mesma coisa aconteceu com o algodão. O pessoal acostumado a plantar o algodãozinho mocó, durava uns 4 ou 5 anos. Todo ano aquele algodãozinho brolhava e ele colhia o algodão, quando acabava a colheita o gadinho dele comia as folhagens e os ramos. No ano seguinte ele plantava o feijão e o milho nas leiras e o algodãozinho brolhava de novo. E isso era uma maravilha pra ele e pra seu gadinho. Quando chegou de novo o técnico e disse : Por que você não planta o algodão herbáceo? Tem um IAC muito bom. (A matemática do IAC) Dá uma produção muito maior, o preço é melhor porque as fábricas agora só querem essa fibra. Eu trago as sementes pra você. Ele plantou e só quando foi colher é que disseram pra ele que só durava um ano. E aí o prejuízo dele foi grande e o trabalho também, porque ele e seu gadinho já estavam acostumados com aquele ciclo do algodão que brolhava todo ano. Aí é que a gente vê que a matemática do grande produtor é diferente da matemática do pequeno e a tecnologia mais diferente ainda. Por isso matemática aqui, meu filho, só se estiver de acordo. -Muito bom, Valdenira, não podemos deixar de pensar que tudo isso passa por relações e relações de poder, em uma economia, em um estilo de vida e cultura. A tecnologia só está em um vazio no espaço sideral, mesmo assim quando está em uma nave ou satélite daqui, pertence a um país e está todo vendido pra altos empresários. Aqui na terra ela está permeada por relações e por um sistema econômico e político. Temos que perguntar como a matemática está atuando e para quem ? -Mas, minha amiga, meu amigo revolucionário ainda insistiu que a música é matemática, que a natureza é matemática, que os mantras dos povos orientais é matemática. Em parte eu até concordei com ele. E de vez em quando eu digo assim, menino vá ver a matemática desse feijão que não tá funcionando, deu muito pouco este ano. E o pessoal diz assim: Valdenira cê tá ficando tan-tan. Onde tem matemática aí? E eu respondo: Mais pra frente nós vamos entender. Deixa pra lá. Por enquanto vamos abrir o coração. Ô Abre alas! Pois é amiga a senha é boa (Amoorrr ), mas eu ainda acho que pra abrir alguns corações, só mesmo com abridor de lata. Tchauzinho, até a próxima. Tchau Valdenira! Hasta la matemática siempre!
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Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 25.06. 2020 |
Colunista: Verônica Maria Mapurunga de Miranda |
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