ZOANDO NA CAATINGA |
VALDENIRA NA TRANSIÇÃO |
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Valdenira é uma paraibana do semi-árido, vivendo na confluência de vários Estados. Ela é da base da base. Não tem computador e me telefona sempre para dar notícias e falar suas impressões sobre muitos assuntos que afetam os brasileiros da caatinga, de todo o país e agora também do planeta. Coloco aqui sua fala e discuto com ela suas idéias, às vezes muito radicais e críticas, mas quase sempre cheias de razão e divertidas. Depois de um longo tempo afastada ela reapareceu. As tarefas da transição planetária mobilizaram muitos corações, inclusive aqueles da Caatinga. São novos tempos, novas tarefas e novos movimentos de transformação. Acompanhe. |
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Valdenira estava mesmo embatucada com essas mudanças cheias de matemática, de tecnologia, de NASA, e desse interesse desse povo estrangeiro no povo da caatinga. Estava com a pulga atrás da orelha e com aquele sentimentozinho de sexto sentido, de que aquilo não combinava muito com ela e muito menos com a comunidade. Mas a COVID mexeu com a cabeça das pessoas e o que todos queriam era solução. E as pessoas estavam embarcando em muito erro. Seu amigo revolucionário parecia ter sido cooptado por essas forças e queria convencer Valdenira, pois ela estava sendo muito cotada para ser a intermediária entre a alta tecnologia espacial e o povo da caatinga. Veja o desenlace. Depois do desenlace ela me telefonou dando gargalhadas. Já estava em outra. -Alôzinho, minha amiga, nem lhe conto minhas aventuras. Pois meu amigo revolucionário chegou aqui na Caatinga, aterrisando daquela forma estranha e vinha com tudo pra me convencer. E disse assim: Valdenira eu vim numa missão difícil, porque eu sei que você está resistindo aos novos tempos e às mudanças, mas você tem que dá uma colher de chá e ir conversar com o povo de lá, das altas tecnologias espaciais, aí você decide. Eu pensei: Meu Deus, que rolo que eu me meti. Mas isso num dá certo. E ele disse:Valdenira, eles pagam tudo: Viagem, hospedagem, restaurante. Vai ter até tradutor. Você não perde nada, você vai ver. Tu vai ficar encantada com a NASA. Ai eu pensei: Meu Deus, aqui ele me apertou sem me abraçar. Vou colocar pro pessoal na reunião. -E o pessoal não estava desconfiado, Valdenira? -Ora, minha amiga, causou foi um reboliço. Uns diziam assim: Olhe lá Valdenira, esse pessoal das estranjas tem a mania de colonizar o povo. E depois vão dizer nos livros de História que descobriram a Caatinga. Você não está escolada não, Valdenira? Outro dizia assim: Valdenira isso num é a história da tal da fake news? Esse pessoal é enrolão. Aí o meu amigo revolucionário, tomando o partido deles disse assim, no meu ouvido: A única forma de saber a verdade é ir até lá, pra saber. Eu vou estar por lá e você não vai pagar nada.Então eu falei assim:A melhor coisa é eu ir por lá, comprovar essas histórias e saber o que eles querem. Eu não vou gastar nada e se der tempo eu compro alguma coisa das estranjas pra gente se divertir por aqui. Ai o pessoal se animou. Ô povo vendido, meu Deus! -E aí você foi mesmo, Valdenira? -Fui mesmo. Mas, quando cheguei por lá, já achei tudo muito estranho. Me levaram num restaurante lá pra eu almoçar. E era um restaurante muito diferente, cheio de nove horas e eu pensei:Valdenira, que é que você tá fazendo aqui? Começou uma agonia e eu fiquei me lembrando da história, de uma conhecida da Caatinga, que namorava um fulano chamado de Zé das Onças e aí a família chegou com um prometido cheio das granas e muita cultura e disseram: Noive logo com esse aqui que é um bom partido, porque tem grana e cultura. Que é que você quer mais? Vai ficar aí com um Zé das Onças vivendo nas grotas? Foi muita pressão e ela acabou noivando com ele. Mas aí a tortura dela começou, porque o homem tinha dinheiro e era culto e por isso gostava de viajar e conhecer o mundo. E ela tinha que acompanhar o marido. Sua vida era fazer mala e desfazer, e não gostava muito daquelas viagens. Era muita coisa estranha, lugar, comida, língua. E ela exausta daquela vida. Passava por cada aperreio. E um dia foram pra China. E lá ele disse: Vamos pro restaurante mais tradicional, que eu quero conhecer. No tal restaurante só tinha macarrão pra comer com palitinhos, nenhum garfo, nem colher. Ela pegava nos palitinhos e o macarrão escapava. E ela naquela agonia, que não agüentava mais, deu um grito(todo mundo que estava no restaurante olhou) e disse: Meu Deus por que eu não casei com o Zé das Onças? O pessoal dá muito valor a dinheiro e cultura de rico, só pra se estrepar. E assim tava eu com saudade do meu mugunzá. Mas tinha que agüentar essa parada. Aí eu disse : Menino vamos indo, que eu tenho que falar com meu amigo revolucionário. Aí saí e me livrei daquela agonia. Mesmo com fome eu só queria me livrar. E na minha intuição um pensamento me beliscava: Valdenira, isso não vai dar certo! -E seu amigo revolucionário, Valdenira? -Ah! Estava muito cheio de atividades, com a cabeça nos assuntos espaciais.Depois eu entendi que tinha sido "cooptado", uma palavrinha que ele gostava muito de usar nos tempos políticos. Aí procurei ele e disse: Rapaz, o que é que eu vou fazer? E ele disse: Não se preocupe, Valdenira. Já está tudo certo. Você vai se encontrar com um CEO, um alto quadro ligado à NASA e tem que dizer a senha AMOOOORRRR.....E eu disse:Mas rapaz, nós estamos nas estranjas, por que não diz LOVEEE, em inglês? E ele disse: É porque love não vibra e amooorrr vibra bem. Aí eu disse: Hummm entendi. É por isso que estão interessado em nós da Caatinga. Eles não tem vibração que preste. Eu só vou dizer isso? E ele respondeu: Não. Você tem que dizer apertando sua mão: I'm glad to meet you. O resto ele vai falar para o intérprete e ele fala pra você. Mas, Valdenira, você tem que decorar. Decore direitinho pra dá certo. Aí eu já fiquei nervosa. Comecei a dizer e repetir as frases pra não errar. E me veio logo uma história que eu conhecia de uma comunidade lá perto de nós, que tinha um padeiro que tinha o apelido de "corujinha", mas ninguém tinha coragem de falar na frente dele. Ele ficava muito bravo com o apelido, mas por trás todo mundo só se referia a ele por aquele nome. Um dia uma mãe muito apressada pediu ao filho para comprar umas bolachinhas na padaria do sr. corujinha, mas não podia chamar ele de corujinha, ele tinha outro nome. E disse ao filho: Compre 5 tostões de bolachinha, mas não chame ele de corujinha, que ele não gosta. Olhe lá, faça as coisas direitinho. O menino saiu já nervoso, repetindo, repetindo, pra não errar. E quando chegou lá disparou: Sêo Bolachinha, eu quero 5 tostões de corujinhas. O resultado foi triste. E por isso a gente fica nervosa. Essas coisas acontecem. -Mas Valdenira, você é uma pessoa inteligente, não é uma criança. -É minha amiga, mas nas estranjas todos os gatos são pardos, a gente fica assim meio desequilibrada, fora do seu ambiente, falando uma língua estranha, que não vibra, e aí é que a porca torce o rabo. Aí eu fui com o intérprete lá no tal do CEO, que tem negócios com a NASA. Quando eu cheguei lá disse a senha e apertei sua mão, dizendo a frase que meu amigo revolucionário tinha dito. E ele ficou me olhando de uma forma estranha, chamou o intérprete e falou umas palavras com ele. O intérprete me chamou e disse: Vamos embora. ele disse que não vai poder atender agora. Que vai falar com seu amigo revolucionário por telefone e seu amigo lhe fala tudo. Eu saí sem entender nada. Quando eu cheguei lá onde estava meu amigo revolucionário ele falou: Valdenira, o que você falou para o CEO? Eu disse: O que você me disse: Amoorrrr...E I'm crazy to meet you. Meu amigo ficou pálido e disse: Valdenira, você trocou as palavras. Era para dizer eu tenho prazer em lhe encontrar(conhecer). E você disse: Eu estou louca de lhe conhecer. Ai, meu Deus, bem que eu desconfiei que eu ia fazer como o menino da história do corujinha. Agora, era tarde. meu amigo disse que o CEO estava furioso, porque tinha sido desrespeitado. E eu nem sabia...Esse povo de sensibilidade espacial não dá mesmo certo com caatingueiro. Ai eu pensei: Pulei uma fogueira! Isso não ia dar mesmo certo. O povo da caatinga num precisa de povo espacial pra nada. Quem fala com passarinho, fala também com estrela. Um povo que não vibra direito. Na volta eu levei os presentinhos do pessoal e quando contei o que aconteceu todo mundo dava gargalhada.E eu agradecida por estar em casa fui comer meu mugunzá. Antes de pegar o avião de volta eu disse: Vou tomar um banho pra esfriar a cabeça. E enquanto a água escorria uma musiquinha brasileira das boas (musiquinha do Paulo Diniz) apareceu na minha cabeça e comecei a cantar: I don't want stay here I want to go back to Bahia. I don't want stay here I want to go back to Bahia.
Eu tenho andado tão só Quem me olha nem me vê Silencio em meu violão Eu nem mesma sei porque. De repente ficou frio Eu não vim aqui para ser feliz. Cadê o meu sol dourado Cadê as coisas do meu país. I don't want stay here I don't to go back to Bahia. I don't want stay here I want to go back to Bahia. -Amiga, estou indo agora mais tranqüila. Esse povo das estranjas pensa que pode comprar todo mundo e embarcar todo mundo no seu caminhãozinho tecnológico e espacial. Mas quem está com a natureza e fala com passarinhos não precisa de tecnologia pra falar com as estrelas. Tchauzinho. -Tchauzinho, Valdenira. E que a transição seja mais leve. Hasta la naturaleza siempre! |
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Veronica Maria Mapurunga de Miranda - 25.06. 2020 |
Colunista: Verônica Maria Mapurunga de Miranda |
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